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O ano é 2024 e ainda ouvimos as mesmas justificações falaciosas e forçadas de há 20 anos ou até mais. Justificações para o injustificável, que é transformar um ser complexo, com sensações e emoções, num mero retalho despersonificado e que, aos nossos olhos, nos deixa bem longe do animal que outrora foi, tornando-o invisível. Uma descaracterização hedionda e tortuosa, transformando grotescamente um indivíduo numa mera comoditização. Que, um dia, estes argumentos, ainda lançados em loop infinito, diminuam até atingirem aquilo que verdadeiramente são – o ridículo. Que, um dia, precisar de contra-argumentar exaustivamente também diminua até deixar de ser necessário: será sinal de que a libertação animal está, finalmente, cada vez mais perto de ser conquistada. Até lá, continuemos a mostrar que todas as bases que sustentam estes hábitos especistas não são mais do que puramente infundados.
“Os nossos antepassados não aprenderam a fazer fogo para comer carne cozida e evoluir até onde estamos hoje para eu comer mato e começar o retrocesso.”
Os nossos antepassados descobriram o fogo e, agora, podemos usar esse fogo para cozinhar alimentos que não implicaram exploração e morte desnecessárias.
“Nós somos superiores aos animais.”
Ao longo dos séculos, o uso e abuso das diferenças (físicas, biológicas, entre outras) foram um entrave para a evolução civilizacional. Os esclavagistas defendiam que se explorassem negros, referindo como estes eram menos inteligentes; os homens maltratavam as mulheres por considerarem-nas mais fracas fisicamente, mentalmente e intelectualmente; povos indígenas foram massacrados pelas mesmas razões, bem como crianças foram continuamente negligenciadas por serem mais fracas do que os adultos. Se ainda hoje esse tipo de discriminações acontece, levando a acções violentas e criminosas, é por muitos insistirem que essas diferenças encontram-se acima de qualquer condição moral que garanta os plenos direitos a todo e qualquer indivíduo. Não passa de puro egoísmo que visa, exclusivamente, a protecção dos interesses pessoais de alguns em detrimento dos outros.
Essa desconsideração que leva o ser humano a classificar-se superior encontra-se também, e em larga escala, no modo como continuamos a tratar os animais não-humanos. Não é a inteligência, a força física, a capacidade moral, entre outros factores desse género, que definem a defesa da equidade. Se assim o fosse, um porco merecia ter mais direitos do que uma criança de três anos já que é mais inteligente. Se assim o fosse, indivíduos num estado avançado de demência não teriam direitos, já que perderam a sua capacidade moral.
Não são as nossas capacidades que nos tornam superiores aos animais não-humanos e que permitem que os exploremos para o nosso benefício. Os animais, assim como nós, sofrem — e, assim como nós, têm o interesse de não sofrer.
Mas os leões também matam animais para comer.
Estou perdida: primeiro nós podemos comer animais porque somos mais inteligentes do que eles, e agora podemos comer animais porque outros animais também o fazem? Afinal, em que ficamos?
Só o facto de não sermos leões é suficiente para esta comparação não ter sequer cabimento. Os leões não criam animais em massa: não os inseminam artificialmente, nem os manipulam geneticamente. Não matam mais de um milhar de animais por segundo e não os retalham em pedaços para serem dispostos em prateleiras comerciais. Eles, e outros animais carnívoros, baseiam-se no instinto para se alimentar e precisam mesmo de comer animais para sobreviver, ao contrário de nós. Em suma, não pensam, não reflectem e não escolhem o que vão comer.
Só o facto de não sermos leões é suficiente para esta comparação não ter sequer cabimento. Os leões não criam animais em massa: não os inseminam artificialmente, nem os manipulam geneticamente. Não matam mais de um milhar de animais por segundo e não os retalham em pedaços para serem dispostos em prateleiras comerciais. Eles, e outros animais carnívoros, baseiam-se no instinto para se alimentar e precisam mesmo de comer animais para sobreviver, ao contrário de nós. Em suma, não pensam, não reflectem e não escolhem o que vão comer.
Se temos a capacidade que nos separa da vontade superficial instintiva, e se temos também princípios morais que nos leva a questionar como devemos tratar os outros, porque não abrangemos essa capacidade e esses princípios em coisas tão simples como a alimentação?
E pelos vistos os supermercados, com os cadáveres previamente preparados e embalados, substituíram a savana de outros tempos.
Os nossos antepassados caçavam. Nós somos caçadores por natureza.
O ser humano foi caçador-colector há milhares de anos e caçava por sobrevivência e necessidade. Com o tempo evoluiu, sedentarizou-se, formou-se civilizacionalmente, começou a cultivar os seus próprios alimentos, adquiriu novos hábitos, novos pensamentos, novas preocupações sociais, políticas, religiosas, interpessoais, intrapessoais e morais e, obviamente, deixou de ser caçador-colector. Nós somos fruto de uma evolução a todos os níveis e, actualmente, vivemos numa época em que a senciência animal é um facto e não uma suposição. Um caçador-colector sabia lá que os animais sofriam – provavelmente nem sequer tinha uma designação para classificar os animais. Para além disso, eles não conheciam e não tinham à sua disposição os milhares de produtos de origem vegetal que hoje temos. Simplesmente não faz sentido nenhum insistir nos costumes passados quando o presente é totalmente diferente.
Tu não és perfeitinha, sabes? Quando andas pela rua pisas e matas formigas, por isso só estás a perder o teu tempo.
O ser humano evoluiu quando começou a comer carne, pelo que a evolução estagnará se deixarmos de a consumir.
“Este argumento adopta uma visão que alterna uma abordagem darwiniana da evolução com um ultrapassado olhar lamarckista. Em relação ao passado, ele pode até ter algum sentido, se forem ignorados os questionamentos existentes sobre o passado alimentar distante do ser humano. Mas erra ao dizer que o vegetarianismo compromete a evolução humana, uma vez que a sedentarização e modernização das sociedades humanas tornou a nossa espécie livre das pressões selectivas naturais que outrora nos teriam requerido uma alimentação omnívora. Os humanos das sociedades modernas (...) já não precisam de caçar, nem mesmo de matar qualquer animal com fins de consumo alimentar.
Há uma alegação semelhante paralela, de que o ser humano precisou de carne para aumentar o seu volume cerebral e, por isso, o vegetarianismo ameaça causar um retrocesso. Mas ela tem uma essência basicamente lamarckista, baseada na transferência hereditária não genética de mudanças corporais e já refutada pela teoria darwiniana e pela genética mendeliana, ao crer que o cérebro aumentará à medida que as pessoas continuem a comer carne (...).”
Não cheguei ao topo da cadeia alimentar para comer alface.
E se parares numa ilha deserta e só estiver lá uma galinha?
– Sempre tenho companhia;
– Cuido da galinha, chamo-a de Mimi e vamos viver grandes aventuras;
– Como raio a galinha foi parar a uma ilha deserta?
– E porque raio eu irei parar a uma ilha deserta?
Se todos virassem vegetarianos, os animais utilizados para consumo deixariam de ser úteis e extinguir-se-iam.
Este é um dos raciocínios que mais me confunde, tanto por carecer de lógica como por existir outro totalmente oposto: de que, se pararmos de comer animais, estes serão em demasia e tomarão conta de tudo. Só a disparidade destes dois raciocínios mostram a falaciosidade presente em ambos.
“Temos de perceber que a produção de produtos de origem animal assenta numa base de oferta e procura; isso significa que, quando vamos a um supermercado e compramos determinados produtos, estamos a exigir que estes continuem a ser fornecidos.Ademais, afirmar a “utilidade” que os animais têm para o humano é uma objectificação clara dos mesmos. Acabamos por esquecer que possuem um propósito na vida e consideramos correcto explorá-los para nosso benefício.
Os fazendeiros não criarão animais que sabem que não conseguirão vender, simplesmente por não ser viável economicamente. Se aliarmos isso com o facto de que o mundo não se tornará vegano de um dia para a noite, o processo será gradual durante um longo período de tempo, o que significa que quantas mais pessoas se tornarem veganas, cada vez menos animais serão criados para a produção de derivados de animais. Assim, num cenário em que todas as pessoas são veganas, não haverá uma situação em que tenhamos biliões de animais vivos a andar por aí, em que ou os tenhamos de libertar na Natureza ou que os tenhamos de matar, porque o número de animais que estão a ser criados diminuirá de acordo com a proporção de pessoas veganas.
Quanto ao outro argumento, de que se os animais não forem criados para consumo acabarão extintos, podemos vê-lo desta forma: se não criássemos estes animais eles não existiriam de qualquer das maneiras, visto que eles são fruto de uma selecção e mutação genética por nós criadas. Por causa dessas mutações, dificilmente esses animais conseguiriam sobreviver sozinhos na Natureza, pelo que precisam dos humanos para cuidar deles, algo que os santuários já fazem.
Além de tudo isso, ao erradicarmos a pecuária estamos a permitir que os habitats naturais (os que foram destruídos por causa dessa indústria) ressurgem, o que também permite que a vida selvagem e a biodiversidade natural floresçam.”
Argumentar que as vacas, os porcos e as galinhas vão extinguir-se se pararmos de comê-los leva a recordar o que os apoiantes da tauromaquia ameaçam constantemente: que o fim das touradas levará ao desaparecimento do touro bravo (e sabemos que isso não é verdade).
A minha comida caga na tua.
Esta é já um clássico: nem pode ser considerada um argumento, mas precisava mesmo de a incluir aqui. Considerem-na um bónus na categoria de tesourinhos deprimentes.
As vacas, os porcos e até mesmo os peixes ingerem
os seus próprios dejectos. Nas pecuárias, a higiene é tão nula que os animais acabam por não ter outra opção senão comer o que sujaram com as suas fezes. Os seus insumos também não escapam incólumes: por exemplo, um ovo é poroso, pelo que fica
facilmente contaminado com matéria fecal, e o leite de vaca é uma
miscelânea de fezes, sangue e células somáticas que a pasteurização não consegue eliminar por completo. Mas sempre é mais fácil cuspir uma frase sem sentido e em tom de deboche triunfante do que pensar um pouco nesses pormenores demasiado óbvios 🙃
Imagem: Google
Quando parei de comer animais aconteceu um fenómeno para lá de espectacular: de repente, quase toda a gente virou nutricionista do dia para a noite. O mais engraçado é que antes, quando tinha quebras de tensão e gripe com frequência, ninguém me dizia nada porque eu comia carne. Agora, que já não sei mais o que é ter quebras de tensão e muito raramente me constipo, todos têm alguma coisa a dizer relativamente à minha alimentação e como estou a fazer tanto mal à minha saúde.
Ouvi tantas vezes que a alimentação vegetariana não é saudável que já perdi a conta: aqui, exponho as inferências que consegui lembrar. Todas as respostas têm como base estudos credenciados e o conhecimento de nutricionistas e médicos.
publicado em
Finalmente: três quartos de século depois de ter anunciado, consegui iniciar esta rubrica! Já há algum tempo que pretendia partilhar por aqui textos mais teóricos relacionados com direitos dos animais, mas é conteúdo que exige duas coisas que, neste momento, não tenho: cabeça e tempo. Ainda assim, estava a custar-me imenso não avançar com ela, pelo que pensei em, pelo menos, traduzir algum estudo relacionado com a senciência dos animais – um tema que considero de suma importância divulgar e desenvolver para uma compreensão mais aprofundada sobre estes nossos irmãos tão maltratados por nós.
Então recordei-me de um artigo que li, há alguns anos, sobre as investigações de Jonathan Balcombe sobre os peixes, as quais ele reuniu num livro: encontrei a obra em inglês e já a adquiri para, futuramente, escrever aqui os meus pareceres sobre.
Já escrevi um artigo extenso sobre a senciência dos peixes, no qual juntei diversos estudos científicos: no entanto, por serem dos animais mais discriminados por nós nunca é demais sabermos mais sobre eles.
Sobre o autor: Jonathan Balcombe é um etólogo inglês. O seu trabalho está distribuído em mais de 60 artigos científicos e em seis livros, todos eles relacionados com a senciência e o comportamento animal. É editor associado da revista Animal Sentience, da Humane Society Institute for Science and Policy, e dá palestras sobre comportamento animal e a relação que temos com os mesmos.
Este texto é uma tradução de uma entrevista para a NPR.
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Os Peixes Também têm Sentimentos: A Vida Intíma dos Nossos Primos Subaquáticos
Jonathan Balcombe | NPR • Junho de 2016
Quando pensamos em peixe, provavelmente é na hora do jantar. Já Jonathan Balcombe, por outro lado, dedica-se a investigar sobre a vida emocional dos peixes. Balcombe, que actua como director da [revista] Animal Sentience da Humane Society Institute for Science and Policy, declarou a Terry Gross, da Fresh Air, que os humanos estão mais perto do que nunca de entender os peixes. “Graças aos avanços na etologia, sociobiologia, neurobiologia e ecologia, podemos agora compreender melhor como é o mundo para os peixes”, diz Balcombe.
No seu novo livro, What A Fish Knows: The Inner Lives Of Our Underwater Cousins, Balcombe apresenta evidências de que os peixes têm uma consciência — ou “senciência” — que lhes permite sentir dor, reconhecer humanos individuais e ter memória. Ele argumenta que os humanos deviam avaliar as implicações morais em relação a como capturamos e exploramos os peixes. “Nós matamos entre 150 milhões e mais de 2 biliões de peixes por ano – e a forma como morrem (na pesca comercial) é, de facto, bastante sombria”, alerta. “São inúmeras as mudanças que se fazem necessárias para se reflectir numa melhoria na nossa relação com os peixes”.
Sobre como podemos saber se os peixes estão a sentir dor
O estudo mais primoroso sobre a dor em peixes que já vi foi feito há alguns anos por uma bióloga chamada Lynne Sneddon, no Reino Unido. Ela recorreu a peixes-zebra, que são comumente usados em pesquisas. E o que eles [grupo de estudo] fizeram foi colocar um cardume de peixes-zebra — não me lembro de quantos, talvez uns trinta — num tanque complexo que tinha dois espaços. Um dos espaços estava ornamentado, com pedras e vegetação: já o outro era árido. Provavelmente já adivinhaste em qual espaço os peixes passaram todo o tempo – no ornamentado. Os peixes apreciam lugares para se esconder e também de um ambiente estimulador.
Depois, injectaram nos peixes uma de duas substâncias. Uma delas foi uma solução ácida, conhecida por ser cáustica e presumivelmente dolorosa para os peixes, caso eles sintam dor. A outra, administrada em metade dos peixes, que foram seleccionados aleatoriamente, era soro fisiológico. Os peixes foram observados, para ver como se comportavam, e todos continuaram a nadar na parte do tanque mais ornamentado. Então, foi dissolvida uma solução analgésica no espaço vazio – e eis que alguns peixes começaram a migrar e a nadar para ficar naquela área totalmente indesejável, tendo sido apenas aqueles que foram injectados com o ácido e não os que foram injectados com a solução salina. Penso que seja uma demonstração bastante convincente da dor nos peixes.
O que significa senciência animal
A senciência é como a gravidez: estás grávida ou não; és senciente ou não. E se um animal é senciente, o que é indicador de algum tipo de consciência, com particularidade na capacidade de sentir dor e, ainda diria, por extensão, de sentir prazer, então, para mim, isso figura que o animal tem tracção moral, ou deveria ter tracção moral – grosso modo, que o animal merece a consideração dos outros. Porque aquele animal pode ter um dia bom e um dia ruim e podem acontecer coisas boas ou ruins com ele. E isso, como eu disse, é a base da ética.
Sobre alguns peixes de recife que parecem reconhecer mergulhadores individuais
Houve um novo estudo que mostrou o reconhecimento individual de rostos humanos por peixes; sendo assim, é altamente provável que reconheçam mergulhadores individuais. Eles aparecem [para os mergulhadores] para serem acariciados; quase parecem cães. Não sei se eles rolam para que a barriga seja acariciada, embora alguns tubarões entrem num aparente estado de euforia quando têm a barriga esfregada.
Sobre com os peixes usam uma “linha lateral” para sentir a pressão da água e navegar à noite
[Os peixes] têm alguns outros sentidos muito interessantes e que valem a pena mencionar. Um deles é a sensação de pressão ou movimento da água graças a uma linha lateral. Estamos agora a falar de peixes ósseos, não de tubarões ou raias; são os peixes ósseos que possuem essa linha. Podemos notar uma fileira escura de escamas ao longo da linha central de um peixe ósseo, e essa é, na verdade, uma sombra projectada por essas escamas específicas. Há uma depressão em cada uma dessas escamas, e nessa depressão existem pequenas câmaras em forma de copo, que contêm gel e pequenos pêlos que projectam e detectam mudanças de pressão. É muito útil para navegar à noite, para evitar coisas perigosas em condições de visão limitada, entre outras situações do género.
Sobre os sentidos eléctricos que alguns peixes possuem
Alguns peixes, incluindo tubarões e acho que também as raias, são electrorreceptivos, ou seja, podem detectar sinais eléctricos de outros organismos. Também há peixes electroprodutores: os peixes-faca da América do Sul e os peixes-elefante são ambos produtos de electricidade. São providos de EODs, que são descargas eléctricas de órgãos, e usam-nos como sinais de comunicação – e o modo como o fazem é impressionante: por exemplo, eles mudam a própria frequência se nadarem perto de outro peixe com frequência semelhante, para não se atrapalharem e se confundirem. Eles também mostram deferência desligando os seus EODs quando passam por um detentor de território – até porque não é boa ideia irritá-lo, pelo que provavelmente é melhor ficar “em silêncio” durante esse momento.
As percepções e habilidades sensoriais dos peixes são fruto de mais de 400 milhões de anos de evolução, pelo que não é propriamente surpreendente que eles tenham formas fascinantes de sentir os seus ambientes.
Sobre os peixes recorrerem a flatulência como meio de comunicação
Há um exemplo realmente curioso que envolve arenques e que não resisto em citar. Acho que se inventasses uma frase que melhor captasse isso, uma frase delicada, comunicação flatulenta talvez fosse o termo apropriado. Eles [os arenques] vivem em cardumes enormes e emitem gases do ânus em grande número, o que emite um som. E eles parecem usar isso como um dispositivo de comunicação – talvez para sinalizar aos outros que é hora de subir ou descer da coluna de água, por ser aquela altura do dia em que os predadores aparecem mais.
Sobre o comércio de peixes e a popularidade do cirurgião-patela, o peixe apresentado em Finding Dory
Alguns dos métodos de captura [destes peixes] são hediondos: envenenamento por cianeto, que mata muitos dos peixes visados, bem como aqueles que não são alvo, além de ocasionalmente serem utilizados dispositivos explosivos. E depois temos as vicissitudes do transporte, onde são levados através dos continentes e a taxa de mortalidade é bastante elevada.
A Dory [do filme da Pixar] é um cirurgião-patela: como o filme vai chamar muita atenção para esta esta espécie, é certo que a mesma será popular no comércio de peixes [para aquários]. Infelizmente, os cirurgiões-patela, ao serem capturados na natureza, estão sujeitos a alguns males dessa indústria. Precisamente por isso, estamos a fazer uma campanha activa na tentativa de desencorajar as pessoas de comprarem esses peixes: quando compras um produto estás a dizer ao fabricante para continuar a vendê-lo e nós não queremos que isso aconteça. ■
Imagens: Pexels e Google
Jonathan Balcombe | NPR • Junho de 2016
Quando pensamos em peixe, provavelmente é na hora do jantar. Já Jonathan Balcombe, por outro lado, dedica-se a investigar sobre a vida emocional dos peixes. Balcombe, que actua como director da [revista] Animal Sentience da Humane Society Institute for Science and Policy, declarou a Terry Gross, da Fresh Air, que os humanos estão mais perto do que nunca de entender os peixes. “Graças aos avanços na etologia, sociobiologia, neurobiologia e ecologia, podemos agora compreender melhor como é o mundo para os peixes”, diz Balcombe.
No seu novo livro, What A Fish Knows: The Inner Lives Of Our Underwater Cousins, Balcombe apresenta evidências de que os peixes têm uma consciência — ou “senciência” — que lhes permite sentir dor, reconhecer humanos individuais e ter memória. Ele argumenta que os humanos deviam avaliar as implicações morais em relação a como capturamos e exploramos os peixes. “Nós matamos entre 150 milhões e mais de 2 biliões de peixes por ano – e a forma como morrem (na pesca comercial) é, de facto, bastante sombria”, alerta. “São inúmeras as mudanças que se fazem necessárias para se reflectir numa melhoria na nossa relação com os peixes”.
Destaques da entrevista
Sobre como podemos saber se os peixes estão a sentir dor
O estudo mais primoroso sobre a dor em peixes que já vi foi feito há alguns anos por uma bióloga chamada Lynne Sneddon, no Reino Unido. Ela recorreu a peixes-zebra, que são comumente usados em pesquisas. E o que eles [grupo de estudo] fizeram foi colocar um cardume de peixes-zebra — não me lembro de quantos, talvez uns trinta — num tanque complexo que tinha dois espaços. Um dos espaços estava ornamentado, com pedras e vegetação: já o outro era árido. Provavelmente já adivinhaste em qual espaço os peixes passaram todo o tempo – no ornamentado. Os peixes apreciam lugares para se esconder e também de um ambiente estimulador.
Depois, injectaram nos peixes uma de duas substâncias. Uma delas foi uma solução ácida, conhecida por ser cáustica e presumivelmente dolorosa para os peixes, caso eles sintam dor. A outra, administrada em metade dos peixes, que foram seleccionados aleatoriamente, era soro fisiológico. Os peixes foram observados, para ver como se comportavam, e todos continuaram a nadar na parte do tanque mais ornamentado. Então, foi dissolvida uma solução analgésica no espaço vazio – e eis que alguns peixes começaram a migrar e a nadar para ficar naquela área totalmente indesejável, tendo sido apenas aqueles que foram injectados com o ácido e não os que foram injectados com a solução salina. Penso que seja uma demonstração bastante convincente da dor nos peixes.
A senciência é como a gravidez: estás grávida ou não; és senciente ou não. E se um animal é senciente, o que é indicador de algum tipo de consciência, com particularidade na capacidade de sentir dor e, ainda diria, por extensão, de sentir prazer, então, para mim, isso figura que o animal tem tracção moral, ou deveria ter tracção moral – grosso modo, que o animal merece a consideração dos outros. Porque aquele animal pode ter um dia bom e um dia ruim e podem acontecer coisas boas ou ruins com ele. E isso, como eu disse, é a base da ética.
Sobre alguns peixes de recife que parecem reconhecer mergulhadores individuais
Houve um novo estudo que mostrou o reconhecimento individual de rostos humanos por peixes; sendo assim, é altamente provável que reconheçam mergulhadores individuais. Eles aparecem [para os mergulhadores] para serem acariciados; quase parecem cães. Não sei se eles rolam para que a barriga seja acariciada, embora alguns tubarões entrem num aparente estado de euforia quando têm a barriga esfregada.
Sobre com os peixes usam uma “linha lateral” para sentir a pressão da água e navegar à noite
[Os peixes] têm alguns outros sentidos muito interessantes e que valem a pena mencionar. Um deles é a sensação de pressão ou movimento da água graças a uma linha lateral. Estamos agora a falar de peixes ósseos, não de tubarões ou raias; são os peixes ósseos que possuem essa linha. Podemos notar uma fileira escura de escamas ao longo da linha central de um peixe ósseo, e essa é, na verdade, uma sombra projectada por essas escamas específicas. Há uma depressão em cada uma dessas escamas, e nessa depressão existem pequenas câmaras em forma de copo, que contêm gel e pequenos pêlos que projectam e detectam mudanças de pressão. É muito útil para navegar à noite, para evitar coisas perigosas em condições de visão limitada, entre outras situações do género.
Sobre os sentidos eléctricos que alguns peixes possuem
Alguns peixes, incluindo tubarões e acho que também as raias, são electrorreceptivos, ou seja, podem detectar sinais eléctricos de outros organismos. Também há peixes electroprodutores: os peixes-faca da América do Sul e os peixes-elefante são ambos produtos de electricidade. São providos de EODs, que são descargas eléctricas de órgãos, e usam-nos como sinais de comunicação – e o modo como o fazem é impressionante: por exemplo, eles mudam a própria frequência se nadarem perto de outro peixe com frequência semelhante, para não se atrapalharem e se confundirem. Eles também mostram deferência desligando os seus EODs quando passam por um detentor de território – até porque não é boa ideia irritá-lo, pelo que provavelmente é melhor ficar “em silêncio” durante esse momento.
As percepções e habilidades sensoriais dos peixes são fruto de mais de 400 milhões de anos de evolução, pelo que não é propriamente surpreendente que eles tenham formas fascinantes de sentir os seus ambientes.
Há um exemplo realmente curioso que envolve arenques e que não resisto em citar. Acho que se inventasses uma frase que melhor captasse isso, uma frase delicada, comunicação flatulenta talvez fosse o termo apropriado. Eles [os arenques] vivem em cardumes enormes e emitem gases do ânus em grande número, o que emite um som. E eles parecem usar isso como um dispositivo de comunicação – talvez para sinalizar aos outros que é hora de subir ou descer da coluna de água, por ser aquela altura do dia em que os predadores aparecem mais.
Sobre o comércio de peixes e a popularidade do cirurgião-patela, o peixe apresentado em Finding Dory
Alguns dos métodos de captura [destes peixes] são hediondos: envenenamento por cianeto, que mata muitos dos peixes visados, bem como aqueles que não são alvo, além de ocasionalmente serem utilizados dispositivos explosivos. E depois temos as vicissitudes do transporte, onde são levados através dos continentes e a taxa de mortalidade é bastante elevada.
A Dory [do filme da Pixar] é um cirurgião-patela: como o filme vai chamar muita atenção para esta esta espécie, é certo que a mesma será popular no comércio de peixes [para aquários]. Infelizmente, os cirurgiões-patela, ao serem capturados na natureza, estão sujeitos a alguns males dessa indústria. Precisamente por isso, estamos a fazer uma campanha activa na tentativa de desencorajar as pessoas de comprarem esses peixes: quando compras um produto estás a dizer ao fabricante para continuar a vendê-lo e nós não queremos que isso aconteça. ■
Imagens: Pexels e Google
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Por mais que tentemos desligar os movimentos sociais uns das outros, a verdade é que estes permanecem interligados. Negá-lo só ajuda a fortalecer ainda mais os problemas que procuramos resolver e as opressões que sonhamos em dissolver. E o veganismo não é excepção.
A importância de encarar o veganismo como luta política no colectivo — fugindo da imagem que ergue maioritariamente, como um estilo de vida e mero consumo individual — é fulcral para conseguirmos as tão desejadas jaulas vazias. Para isso, tal óptica requer compreender como as discriminações se comunicam – mostrando, assim, que sem libertação humana não poderá haver libertação animal.
The Smell Of Money abre uma janela para visualizarmos um pouco esse vínculo – neste caso, entre o especismo e o racismo, no qual a natureza também é afectada. O documentário denuncia os impactos sofridos pelos habitantes de Duplin, na Carolina do Norte, EUA, causados pela Smithfield, uma das maiores exploradoras de porcos. Os moradores são predominantemente negros e, apesar da batalha judicial que decorre há décadas, a empresa continua a escudar-se com a indiferença e parca influência política, visto a Carolina do Norte permitir que pecuárias descartem os dejectos dos animais borrifando-os pelo ar com recurso a máquinas. As consequências são terríveis: restrição de ar puro e pouco acesso a água limpa, bem como os excrementos revestem constantemente as paredes exteriores das casas.
Entre 2018 e 2019, um dos juízes que tratou deste processo referiu que, se fossem mansões de ricos e políticos, no lugar de pessoas pobres, a celeuma teria sido imediatamente resolvida com o cessar da empresa pecuária. A sua declaração, brutalmente crua mas necessária, escancara como o sistema ignora descaradamente indivíduos de certas classes e etnias, bem como não olha a meios para transformar animais em lucro.
Kate Mara, uma das produtoras do documentário, declarou: “Esperamos que o filme enfureça as pessoas pelo flagrante desrespeito da pecuária pelo bem-estar animal, ambiental e pelas comunidades carentes, nas quais a indústria instala-se e destrói vidas. Não podemos continuar com o nosso actual sistema alimentar e ignorar o racismo ambiental que assola estas comunidades.”
O documentário está actualmente a ser exibido em alguns cinemas estadunidenses e, de acordo com o site oficial, ficará brevemente disponível em streaming. Vejam o trailer abaixo:
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Nota do blogue: em 2021 fiz um pequeno artigo sobre a ineficácia do colagénio enquanto produto ingerido ou aplicado. Não me debrucei tanto sobre a crueldade animal, visto acreditar não ser necessário fazê-lo quando já a expus por diversas vezes noutros textos.
Há uns dias, deparei-me com esta reportagem sobre a conexão sórdida entre o colagénio e a desflorestação da Amazónia, bem como a violência cometida contra as comunidades indígenas que tanto lutam para a proteger. No nosso dia-a-dia, mesmo não vendo, mesmo não sabendo, produtos aparentemente inofensivos escondem uma teia hedionda de atrocidades. Atrocidades contra animais, contra a natureza, contra os próprios humanos. Atrocidades que, camufladas por um véu entorpecedor, unem-se num abraço grotesco carregado de dor, sangue e lágrimas.
Por esse motivo decidi pegar nesta investigação e traduzi-la. Porque precisamos de ver.
Precisamos de saber.
Precisamos de mudar.
***
O mau cheiro chega antes dos camiões, que estão carregados com peles que foram arrancadas de carcaças de gado dias atrás. As moscas estão por toda a parte.
Os camiões vão para Amparo, uma pequena cidade industrial do estado de São Paulo, sudeste do Brasil. Aí, a Rousselot, uma empresa que pertence à texana Darling Ingredients, extrai o colagénio – um ingrediente presente em suplementos de saúde e que está no centro de uma mania global de bem-estar.
Mas, enquanto os consumidores mais entusiasmados do colagénio afirmam que essa proteína pode melhorar cabelo, pele, unhas e articulações, por retardar o processo de envelhecimento, a mesma tem um efeito questionável na saúde do planeta. O colagénio pode ser extraído da pele dos peixes, porcos e gado, mas por detrás da popular variedade “bovina”, em particular, existe uma indústria sombria que impulsiona a destruição de florestas tropicais e alimenta a violência e os abusos dos direitos humanos na Amazónia brasileira.
Uma investigação da Bureau of Investigative Journalism, The Guardian, ITV e O Joio e O Trigo, descobriu que [a criação de] dezenas de milhares de bovinos criados em fazendas, que estão a destruir as florestas tropicais, foram processados em matadouros ligados a cadeias internacionais de fornecimento de colagénio.
Parte desse colagénio leva-nos à Vital Proteins, propriedade da Nestlé e grande produtora de suplementos do supracitado. A Vital Proteins é vendida à escala mundial – incluindo online na Amazon, nas lojas Walmart nos EUA, na Holland & Barrett e na Boots no Reino Unido e na Costco em ambos os países.
A investigação – a primeira a correlacionar o colagénio de origem bovina com a perda de florestas tropicais e a violência contra os povos indígenas – encontrou, pelo menos, 2,600 quilómetros quadrados de desmatamento ligados às cadeias de suprimentos de duas operações de colagénio no Brasil, ambas relacionadas com a Darling: a Rousselot e a Gelnex, adquiridas pela Darling por 1,2 mil milhões de dólares americanos. Não está claro o quanto desse desmatamento, que foi calculado pelo Center for Climate Crime Analysis, está ligado à Vital Proteins.
Especialistas encaram a preservação da Amazónia como a chave para enfrentar as mudanças climáticas. Da mesma forma, defendem os direitos dos seus povos indígenas, amplamente reconhecidos como os melhores guardiões da floresta. Quase metade das áreas mais bem preservadas da floresta tropical está dentro dos territórios destes povos.
Como resposta aos seus consumidores, depois que o TBIJ abordou os revendedores para fazerem comentários sobre tal, a Vital Proteins declarou que “acabaria com o fornecimento da região amazónica imediatamente”.
A Darling Ingredients disse ao TBIJ que a empresa e a sua subsidiária, Rousselot, monitorizam os seus fornecedores e excluem aqueles que não atendem aos seus critérios de fornecimento responsável. Um porta-voz acrescentou que as empresas “desempenham um papel crucial” na “recolha e reaproveitamento de subprodutos animais que, de outra forma, seriam descartados”. Ele alegou que não poderia comentar sobre a Gelnex, já que a sua aquisição, em Outubro de 2022, ainda não foi formalizada.
A Holland & Barrett referiu que está comprometida com o fornecimento responsável, para garantir que as cadeias de suprimentos não contribuam para o desmatamento. A empresa acrescentou que sobrelevou estas alegações com a Vital Proteins e que levará em consideração uma acção correctiva caso novas violações de política sejam encontradas.
Um porta-voz da Boots disse: “Estamos em contacto com os nossos fornecedores para ter garantias sobre o fornecimento do colagénio”.
A Costco frisou que levou as alegações a sério e entrou com contacto com os seus fornecedores. A Walmart e a Amazon recusaram-se a comentar.
O mito do subproduto
O colagénio bovino é um dos chamados subprodutos da pecuária, o que no Brasil corresponde a 80% de toda a perda da floresta amazónica.
Todavia, subproduto é um termo enganoso, de acordo com a Environmental Investigation Agency, um grupo de defesa ambiental com sede em Londres. “Não chamaria nenhum deles de subprodutos. As margens para a indústria da carne são bastante estreitas, pelo que todas as partes vendáveis do animal são incorporadas ao modelo de negócios”, disse Rick Jacobsen, gerente da política de comoditizações da EIA.
Os produtos sem carne [com outras substâncias de origem animal] correspondem a pouco menos da metade do peso de uma vaca abatida e podem gerar até um quarto da renda dos frigoríficos, de acordo com as estimativas da Bain & Company, um grupo de pesquisa de mercado. De longe, os subprodutos mais valiosos são as peles do gado usadas para fazer couro e colagénio.
Estima-se que a indústria do colagénio, como um todo, tenha o valor de 4 mil milhões de dólares [americanos] por ano.
Ao contrário da carne bovina, soja, óleo de palma e outras comoditizações alimentares importantes, o colagénio não é coberto pela futura legislação de devida diligência na União Europeia e no Reino Unido, projectada para combater o desmatamento. As empresas de colagénio, portanto, não têm obrigação de rastrear os seus próprios impactos ambientais.
“É importante assegurar que esse tipo de regulamentação abranja todos os principais produtos que possam estar ligados ao desmatamento”, asseverou Jacobsen.
A maior parte da desflorestação causada pela pecuária pode ser atribuída a fornecedores indirectos das empresas, segundo Ricardo Negrini, promotor federal do estado do Pará, Brasil, que supervisiona os compromissos climáticos dos processadores de carne bovina. O gado é frequentemente transferido de fazenda para fazenda, passando por diversos estágios de criação, pelo que uma vaca nascida em terras desmatadas pode ser engordada para abate numa fazenda de terminação “limpa”. Contudo, Negrini disse que, actualmente, todos os frigoríficos têm capacidade de rastrear o gado que compram.
Legislação para combater o desmatamento ligado à pecuária não leva em consideração o colagénio
Com o aumento das vendas de carne bovina, couro e colagénio, mais e mais florestas foram derrubadas e substituídas por pastagens nos últimos anos, com terras muitas vezes confiscadas ilegalmente. A virtual impunidade para a grilagem de terras durante o governo Bolsonaro também alimentou ataques a comunidades tradicionais. Em 2021, no terceiro ano da sua presidência, ocorreram 305 invasões contra terras indígenas. Foi três vezes mais do que os números relatados, em 2018, pelo Conselho Indigenista Missionário da Igreja Católica.
“Não há expansão da pecuária na Amazónia sem violência”, disse Bruno Malheiro, geógrafo e professor da Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará.
“Não há expansão da pecuária na Amazónia sem violência”, disse Bruno Malheiro, geógrafo e professor da Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará.
A uma curta distância do escritório de Malheiro em Marabá, município com o terceiro maior rebanho bovino do Brasil, a paisagem é aplainada por pastagens. Camiões transportam gado constantemente para os inúmeros matadouros da região.
No município vizinho de Bom Jesus do Tocantins, uma placa verde pontilhada de balas fica ao lado da estrada que leva ao território indígena Mãe Maria. Vista de cima, esta terra, lar do povo Gavião, é uma parcela verde-escura de floresta tropical debruçada numa colcha de retalhos de fazendas.
Para Kátia Silene Akrãtikatêjê, a primeira mulher líder do povo Gavião, é como viver numa ilha. O seu povo sente-se “cercado, sufocado”, disse ela ao TBIJ. A reserva Mãe Maria é o único território em centenas de quilómetros que ainda se assemelha à imponente floresta amazónica.
Malheiro chama-lhe de “um processo de confinamento territorial”. Para os Gavião, a manutenção da mata onde caçam, pescam, cultivam e recolhem sementes vem com ameaças, tentativas de invasão e incêndio criminoso.
Em Setembro do ano passado, uma vila inteira foi incendiada: uma escola, dezenas de casas e um pedaço de floresta foram reduzidos a cinzas. O incêndio não foi acidental, abonam eles, e a comunidade continua a viver com medo.
“[Os fazendeiros] destroem o que é deles e invadem o que é nosso. Não entendo porque destroem tudo”, indagou a líder indígena.
De acordo com José Batista Afonso, advogado e defensor dos direitos fundiários, trabalhador na Comissão Pastoral da Terra em Marabá, a região oferece um vislumbre de como seria toda a Amazónia caso a pecuária continuasse a se expandir sem controlo.
Cadeias obscuras de suprimentos
Cadeias obscuras de suprimentos
As cadeias de abastecimento de colagénio bovino são altamente intrincadas, com inúmeros intermediários envolvidos na aquisição e no processamento.
O colagénio Peptan da Rousselot é a marca líder mundial e exporta o referido para os EUA e Europa, onde possui várias fábricas.
A Rousselot obtém peles de vaca da BluBrasil, um curtume localizado dentro de um complexo em Bataguassu, Mato Grosso do Sul. Tal complexo é da propriedade da Marfrig, uma das três grandes empresas de carne bovina do Brasil. Fornecedores de gado da Marfrig têm sido ligados à destruição de florestas tropicais e a invasões territoriais do povo indígena Guarani Kaoiwá.
Em 2021, a usina comprou animais da fazenda Campanário, uma grande propriedade que viola o território Guarani Kaoiwá em Laguna Carapã, também no Mato Grosso do Sul. A área é conhecida pelo seu elevado índice de violência contra indígenas. A Marfrig contou ao Bureau que apenas uma pequena parte da propriedade está em cima da terra ancestral, que a empresa afirma não ser totalmente reconhecida como território indígena. O proprietário da fazenda Campanário não respondeu ao pedido do Bureau para comentar. A BluBrasil também não.
Um relatório da Greenpeace de 2021 também descobriu que a mesma fábrica da Marfrig estava ligada à destruição do Pantanal, outro bioma brasileiro e berço da biodiversidade.
A Marfrig confirmou que o fornecedor em questão estava registado como fornecedor indirecto, mas afiançou que o mesmo se encontrava em conformidade com as suas políticas na época. A empresa acrescentou que a monitorização de fornecedores indirectos é “um dos maiores desafios da cadeia pecuária brasileira”, mas que trabalha “incansavelmente para mitigar qualquer vínculo entre o desmatamento ilegal e outras irregularidades na sua cadeia produtiva, tanto na Amazónia quanto nos demais biomas”.
A Gelnex, por sua vez, vende colagénio para produtos de saúde, ingredientes alimentícios, entre outros items, globalmente. Obtém peles de gado da Durlicouros, um fabricante de couro brasileiro que as limpa e descarna após o abate. Nesta fase, as peles cruas são tratadas para evitar o apodrecimento antes que as camadas de pele sejam divididas em cadeias separadas de produção de couro e colagénio.
Lote de gado num matadouro da Minerva, em Araguaína. Centenas de bovinos abatidos aqui são criados em fazendas que invadem a Mãe Maria e outras terras indígenas.
A Durlicouros obtém as suas peles de gado abatido nos matadouros da JBS e da Minerva, de acordo com várias entrevistas efectuadas a camionistas e outras fontes locais. Centenas desse gado são criadas em fazendas que invadem a Mãe Maria e outras terras indígenas.
Num contacto recente com os investidores, o CEO da Darling Ingredients, Randall C. Stuewe, afirmou que a aquisição da Gelnex aumentaria enormemente a produção de colagénio da empresa.
A Gelnex declarou ao TBIJ: “Todas as matérias-primas utilizadas pela empresa são provenientes de fornecedores aprovados, devidamente registados perante os órgãos reguladores aplicáveis e legalmente autorizados a operar de acordo com as leis vigentes”.
O curtume DurliCouros informou que “atende aos mais rígidos padrões de sustentabilidade nacionais e internacionais”. Tanto a Durlicouros como a BluBrasil receberam a classificação ouro da Leather Working Group (LWG), associação do sector que avalia a sustentabilidade dos membros. A LWG disse ao Bureau que este é um “tópico complexo” e que trabalhará por um padrão “100% de desmatamento e conversão livre até 2030 ou antes”.
A JBS referiu que, embora existisse desmatamento em algumas das fazendas identificadas, as suas compras eram “totalmente compatíveis” com os seus protocolos de aquisição e monitorização, além de que outras aderiram aos seus padrões.
O terceiro maior frigorífico brasileiro, o Minerva, frisou que trabalha para garantir que o gado adquirido não seja proveniente de propriedades com áreas ilegalmente desflorestadas, adicionando que vigia “100% dos fornecedores directos”.
A Nestlé disse que as alegações levantadas não correspondem ao seu compromisso com o fornecimento responsável e contactou o seu fornecedor para o assunto ser investigado. Também anunciou que está a tomar medidas para garantir que os seus produtos sejam livres de desmatamento até 2025.
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Uma versão desta investigação também surgiu no UOL.
Imagem principal: Kátia Silene Akrãtikatêjê, líder do povo Gavião
Repórteres: Elisângela Mendonça, Andrew Wasley e Fábio Zuker
Colaborador: Centro de Análise de Crimes Climáticos
Filmagem e fotografia: Cícero Pedrosa Neto
Produtora de vídeo e produtora de impacto: Grace Murray
Editor de vídeo: Oliver Kemp
Animação: Jules Bartl
Editor de ambiente: Robert Soutar
Editor global: James Ball
Editor: Meirion Jones
Produção: Frankie Goodway
Verificador de factos: Alice Milliken`
Esta história foi produzida com o apoio da Rainforest Investigations Network do Pulitzer Center. O nosso projeto Food and Farming é parcialmente financiado pela Quadrature Climate Foundation e parcialmente pela Hollick Family Foundation. Nenhum dos nossos financiadores tem qualquer influência sobre as nossas decisões ou resultados editoriais.
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Breve nota: Este texto é uma interpretação da cultura e da mitologia gregas a partir de leituras e de estudos feitos, tendo, portanto, um cunho pessoal.
O perambular do tempo despertou milhares de sensações que os seres humanos desconheciam. Essas sensações tanto maravilhava-os, como surpreendia-os ou aterrorizava-os abismalmente, ao mesmo tempo que as interrogações e as dúvidas em relação a determinados fenómenos exigiam respostas transformadas nas acções que comprometeram-se na construção da civilização humana e que, actualmente, oferecem alicerces para compreendermos o que somos hoje através do ontem. Desde o gradual entendimento do que é a morte, e de como este entendimento ramificou-se em rituais que actualmente continuam a suceder (como o sepultamento) e em crenças variadas (como a reencarnação e o contacto com os mortos através do xamã), à interpretação do universo onírico, à comunicação sem linguagem através da arte, entre outros aspectos, o ser humano descobriu-se ao reconhecer as suas capacidades mentais, intelectuais, físicas, emocionais e sociais e interligou-as para formar um casulo que desenvolveu-se até dar à luz as primeiras civilizações. O mito é uma das crianças que nasceu desse desenvolvimento racional e desse maravilhoso achado, permanecendo imorredouramente vital na nossa vida e na nossa cultura.
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Vou começar este texto contando o que sucedeu quando resolvi parar de comer animais. Tomei a decisão aos dezoito anos quando encontrei, por acaso, imagens e vídeos da realidade que os matadouros e as pecuárias procuram ocultar: a gritaria misturada com a quantidade absurda de sangue espalhada por todo o lado foi como um clique na parte do meu cérebro que esteve adormecida durante todo aquele tempo perante o óbvio. Só consegui pensar como é incrível o que os costumes familiares, as raízes tradicionais e a manipulação dos anúncios alimentícios conseguiam fazer num indivíduo: uma lavagem cerebral, de tal modo abrupta, que nem paramos para questionar sobre quem estamos a comer. Fiquei horrorizada com a cumplicidade que estava a ter para com este sector — porque quem compra para consumir está a pagar para matar — e deliberei a interrupção imediata do consumo de carne.
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Na Bíblia está escrito que os animais foram criados para servir o Homem, pelo que podemos usá-los à vontade.
Para além de ser um argumentum ad antiquitatem (apelo à antiguidade), esta afirmação:
• É implicitamente uma petição de princípio (raciocínio circular: Na Bíblia está escrito que podemos comer animais, pelo que podemos comer animais porque está escrito na Bíblia);
• Leva frequentemente ao bulverismo (considera-se a priori que o oponente está errado, mas, no lugar de o refutar, tenta-se explicar porque o oponente o usa, sendo uma falácia ad hominem circunstancial. Por exemplo: Não aceitas que Deus criou os animais para serem comidos porque não leste a Bíblia / és ateia / a tua religião não é cristã / etc.).
Basicamente, defende que os animais podem ser usados e mortos para os nossos fins porque tal encontra-se numa obra criada com base num argumento ontológico. Um argumento ontológico é todo e qualquer argumento que defende a existência de Deus através da ideia de que Ele é obrigatoriamente um ser perfeito e, portanto, a sua existência é necessária e certa (que, por acaso, é outra petição de princípio). Tendo em conta que a Bíblia é o reflexo escrito dessa entidade divina sumamente perfeita, tudo o que encontra-se nela é verdadeiro e válido, incluindo a exploração dos animais.
• É implicitamente uma petição de princípio (raciocínio circular: Na Bíblia está escrito que podemos comer animais, pelo que podemos comer animais porque está escrito na Bíblia);
• Leva frequentemente ao bulverismo (considera-se a priori que o oponente está errado, mas, no lugar de o refutar, tenta-se explicar porque o oponente o usa, sendo uma falácia ad hominem circunstancial. Por exemplo: Não aceitas que Deus criou os animais para serem comidos porque não leste a Bíblia / és ateia / a tua religião não é cristã / etc.).
Basicamente, defende que os animais podem ser usados e mortos para os nossos fins porque tal encontra-se numa obra criada com base num argumento ontológico. Um argumento ontológico é todo e qualquer argumento que defende a existência de Deus através da ideia de que Ele é obrigatoriamente um ser perfeito e, portanto, a sua existência é necessária e certa (que, por acaso, é outra petição de princípio). Tendo em conta que a Bíblia é o reflexo escrito dessa entidade divina sumamente perfeita, tudo o que encontra-se nela é verdadeiro e válido, incluindo a exploração dos animais.
Para além disso, a Bíblia foi escrita por homens e, por mais que tenham sido agraciados com a inspiração divina, obviamente que os seus limites e imperfeições enquanto seres humanos influenciaram o modo como escreveram. Não é por acaso que a Bíblia é ambivalente: tanto defende a vida dos animais como a despreza. Quem utiliza a Bíblia para defender a exploração dos animais apoia-se somente em versículos que perpetuam essa exploração e menospreza os capítulos que ditam precisamente o contrário.
Se Deus é inquestionavelmente justo, como poderia criar seres sencientes com a finalidade de serem explorados e mortos?
Por fim, a Bíblia tem passagens que, para
além da exploração dos animais, também aparentam
incentivar o homicídio, o infanticídio, o incesto e a
desumanização da mulher – e (quase) todos nós sabemos que tamanhas atrocidades são erradas.
Se um homem vender sua filha como escrava, esta não lhe sairá como saem os escravos. — Êxodo, 21:7Há pessoas que classificam estes versículos como metáforas ou parábolas e, como tal, podem ter várias interpretações, pelo que não devemos levá-los à letra e usá-los para criticar negativamente o conteúdo presente na Bíblia. Esta observação é válida, assim como é válida, por exemplo, a leitura metafórica que muitas pessoas têm sobre a multiplicação dos peixes, em que Jesus, na verdade, repartiu maná (um alimento produzido milagrosamente e que tem um sabor semelhante aos bolos de mel). Existem múltiplas análises para uma só passagem bíblica, incluindo as referentes aos animais, pelo que a Bíblia não é uma prova objectiva de que os animais existem para os nossos interesses.
[Deus castiga crianças por estas terem troçado de um profeta]
Então, subiu dali a Betel; e, indo ele pelo caminho, uns rapazinhos saíram da cidade, e zombavam dele, e diziam-lhe:
Sobe, calvo! Sobe, calvo!
Virando-se ele para trás, viu-os e os amaldiçoou em nome do Senhor; então, duas ursas saíram do bosque e despedaçaram quarenta e dois deles. — 2 Reis, 2:23-24
Se um homem casar com uma mulher, e, depois de coabitar com ela, a aborrecer,
e lhe atribuir actos vergonhosos, e contra ela divulgar má fama, dizendo: Casei com esta mulher e me cheguei a ela, porém não a achei virgem,
então, o pai da moça e sua mãe tomarão as provas da virgindade da moça e as levarão aos anciãos da cidade, à porta (...)
Porém, se isto for verdade, que se não achou na moça a virgindade,
então, a levarão à porta da casa de seu pai, e os homens de sua cidade a apedrejarão até que morra, pois fez loucura em Israel, prostituindo-se na casa de seu pai; assim, eliminarás o mal do meio de ti. — Deuteronómio, 22:13-21.
Quem for achado será trespassado; e aquele que for apanhado cairá à espada.
Suas crianças serão esmagadas perante eles; a sua casa será saqueada, e sua mulher, violada.
Eis que eu despertarei contra eles os medos, que não farão caso de prata, nem tampouco desejarão ouro.
Os seus arcos matarão os jovens; eles não se compadecerão do fruto do ventre; os seus olhos não pouparão as crianças. — Isaías, 13:15-18
Ao anoitecer, vieram os dois anjos a Sodoma, a cuja entrada estava Ló assentado; este, quando os viu, levantou-se e, indo ao seu encontro, prostrou-se, rosto em terra. (...)
Mas, antes que se deitassem, os homens daquela cidade cercaram a casa, os homens de Sodoma, tanto os moços como os velhos, sim, todo o povo de todos os lados;
e chamaram por Ló e lhe disseram: Onde estão os homens que, à noitinha, entraram em tua casa? Traze-os fora a nós para que abusemos deles. Saiu-lhes, então, Ló à porta, fechou-a após si e lhes disse: Rogo-vos, meus irmãos, que não façais mal;
tenho duas filhas, virgens, eu vo-las trarei; tratai-as como vos parecer, porém nada façais a estes homens, porquanto se acham sob a protecção do meu tecto. — Génesis, 19:1-8
Então, a primogénita disse à mais moça: Nosso pai está velho, e não há homem na terra que venha unir-se connosco, segundo o costume de toda terra.
Vem, façamo-lo beber vinho, deitemo-nos com ele e conservemos a descendência de nosso pai. (...)
E assim as duas filhas de Ló conceberam do próprio pai. — Génesis, 19:31-36
Não matarás. — Êxodo, 20:13
E disse Deus ainda [a Adão e Eva]: Eis que vos tenho dado todas as ervas que dão semente e se acham na superfície de toda a terra e todas as árvores em que há fruto que se dê semente; isso vos será para mantimento.
E todos os animais da terra, e a todas as aves dos céus, e a todos os répteis da terra, em que há fôlego de vida, toda erva verde lhes será para mantimento. E assim se fez. — Génesis, 1:29-30
O que imola um boi é como o que comete homicídio; o que sacrifica um cordeiro,
como o que quebra o pescoço a um cão (...) — Isaías, 66:3
Misericórdia quero e não holocaustos. — Mateus, 9:13
Resolveu Daniel, firmemente, não contaminar-se com as finas iguarias do rei, nem com o vinho que ele bebia; então, pediu ao chefe dos eunucos que lhe permitisse não contaminar-se. (...) Então, disse Daniel ao cozinheiro-chefe, a quem o chefe dos eunucos havia encarregado de cuidar de Daniel, Hananias, Misael e Azarias:
Experimenta, peço-te, os teus servos dez dias; e que se nos dêem legumes a comer e água a beber. (...) Ele atendeu e os experimentou dez dias.
No fim dos dez dias, a sua aparência era melhor; estavam eles mais robustos do que todos os jovens que comiam das finas iguarias do rei.
Com isto, o cozinheiro-chefe tirou deles as finas iguarias e o vinho que deviam beber e lhes dava legumes. — Daniel 1:8-16
Mas pergunta agora às alimárias [animais irracionais],
e cada uma delas te ensinará;
e às aves dos céus,
e elas to farão saber.
Ou fala com a terra, e ela te instruirá;
até os peixes do mar to contarão. — Jó 12:7-8
O justo atenta para a vida
dos seus animais,
mas o coração dos perversos é cruel. — Provérbios 12:10
O Senhor é bom para todos,
e as suas ternas misericórdias
permeiam todas as suas obras. — Salmos, 145:10
O Senhor ampara os humildes
e dá com os ímpios em terra. (...)
e dá o alimento aos animais
e aos filhos dos corvos, quando clamam. — Salmos, 147:6-9
Bem-aventurados os misericordiosos,
porque alcançarão misericórdia. — Mateus, 5:7
Até quando estará de luto a terra, e se secará a erva de todo o campo? Por causa da maldade dos que habitam nela, perecem os animais e as aves; porquanto dizem: Ele não verá o nosso fim. — Jeremias, 12:4
O lobo habitará com o cordeiro, e o leopardo se deitará junto ao cabrito; o bezerro, o leão novo e o animal cevado andarão juntos, e um pequenino os guiará.
A vaca e a ursa pastarão juntas, e as suas crias juntas se deitarão; o leão comerá palha como o boi. (...)
Não se fará mal nem dano algum em todo o meu santo monte, porque a terra se encherá do conhecimento do Senhor, como as águas cobrem o mar. — Isaías, 11:6-9
*
“Não matarás” não se aplica apenas ao assassinato de seres humanos, mas ao assassinato de qualquer ser vivo; e este mandamento foi inscrito no coração do homem muito antes de ser proclamado do Sinai. — Leo Tolstoy
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Muitos de nós dizemos que gostamos de animais ou, pelo menos, concordamos que eles têm o direito de viver. Dizemos que nunca seríamos capazes de lhes fazer mal e, no entanto, comemo-los. Comemo-los e não encontramos quaisquer incoerências perante essa acção e as nossas crenças. E assim continuamos a nossa vida, amando e comendo animais simultaneamente.
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Comer carne será mesmo uma escolha pessoal, tendo em conta que envolve vítimas? E, apesar de serem vítimas não-humanas, não será a capacidade senciente delas suficiente para questionar se é mesmo uma escolha pessoal? E precisaremos mesmo de gostar dos animais para os respeitarmos e, com isso, compreendermos as consequências brutais dessas mesmas escolhas?
Estas e outras colocações especistas continuam bem actuais — mesmo com toda a informação científica, moral e social relativa aos animais —, prova sólida da força dos nossos hábitos e como estes continuam a despersonificar e a comoditizar criaturas tão susceptíveis às emoções quanto nós.
Aqui apresento resposta contra essas e outras, mas ao fim de quase 8 anos de veganismo aprendi uma coisa: toda esta batalha argumentativa e contra-argumentativa, entre a desobediência ética e o carnismo acomodado, só opera substancial mudança quando deixamos de ver a justiça como antropocêntrica e a colocamos ao serviço de todos os que sofrem. Em suma, quando colocamos o respeito acima do nosso estômago. E, por isso, aos que comem animais e que estas linhas leiam, convido-os a colocar numa balança e concluir o que tem mais peso: momentos supérfluos de gula ou não fazer mal a ninguém, mesmo que tenha pêlo, plumas ou escamas no lugar de pele desnuda? O que será verdadeiramente difícil: não comer animal ou ser o animal, violentado desde a nascença, nascido para morrer?
Um aparte: algumas das inferências foram retiradas de um único comentário deixado por um indivíduo numa rede social (mais concretamente num grupo pelos direitos dos animais, o que é lamentavelmente irónico).
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Muitas pessoas acusam a alimentação vegetal de ser bastante dispendiosa, o que não a torna acessível para todos e, consequentemente, elitista. Esse pensamento formou o estereótipo do veganismo ser coisa de brancos ricos e que só é praticável para a camada social privilegiada, deixando as mais humildes de fora. Cada vez mais se fala disso como um facto indestrutível, mas será mesmo verdade?
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Quantos produtos não possuem colagénio na composição e que prometem fortalecer o cabelo, deixar as unhas mais bonitas ou melhorar o aspecto da pele? Desde comprimidos à tradicional gelatina, passando por champôs e cremes, o colagénio é obtido industrialmente a partir dos ossos e da cartilagem dos bovinos.
Muitas bloggers e influenciadoras indicam o colagénio como um ingrediente essencial, mas será ele verdadeiramente vital para conseguirmos uns cabelos, unhas e pele bonitos ou não passará de um esquema patriarcal, aliado à indústria da beleza, para pressionar as mulheres a gastar dinheiro em cosméticos que prometem o inalcançável que lhes é imposto?
“Dizer que é necessário ingerir colagénio para ter colagénio no corpo é tão absurdo quanto dizer que precisamos de ingerir fígado para termos fígado, ou cérebro para termos cérebro.”
— Dr. Eric Slywitch, médico especializado em nutrologia
O colagénio é a proteína estrutural principal que proporciona sustentação às células, mantendo-as unidas em diversos tipos de órgãos e tecidos como pele, ossos, cartilagens, ligamentos, tendões e artérias. O colagénio é composto por aminoácidos — glicina, prolina e lisina — e por mais dois aminoácidos derivados da prolina e da lisina através de processos enzimáticos e que são dependentes da vitamina C – a hidroxiprolina e a hidroxilisina. O nosso organismo é capaz de sintetizar o colagénio a partir desses aminoácidos presentes nos alimentos, pelo que a chave para uma pele, cabelo, ossos e unhas saudáveis é uma alimentação equilibrada que inclua vitamina C e esses aminoácidos – e isso é possível com alimentos vegetais. Eis alguns que devem ser tomados em conta:
É importante frisar que o consumo de colagénio já pré-formado (ou seja, aquele que é tomado em pó, cápsulas, etc.) é ineficiente, visto que este é hidrolisado nos aminoácidos para ser ressintetizado pelo organismo.
“O colagénio dá elasticidade à pele e a sua produção pelo corpo reduz com os anos. Mas passar cremes não aumenta o colagénio da pele. A proteína é grande demais para entrar na célula e fica espalhada do lado de fora. Se ingerido, o colagénio é desmontado pela digestão e não chega à pele. Ingerir colagénio só deixará a pessoa com rugas e mais pobre.”
— Alicia Kowaltowski, professora de Bioquímica do Instituto de Química da USP
— Natália Pasternak, presidente do Instituto Questão de Ciência
“(...) O colagénio ingerido por meio das carnes não se transforma em colagénio no nosso corpo. Para produzir colagénio, o nosso organismo precisa de quebrar a proteína ingerida e, utilizando os seus aminoácidos, montar o próprio colagénio, que será inserido em regiões específicas do corpo (...). A gelatina, além de ser um composto derivado de animais (...) não é uma fonte rica em proteínas e colagénio, como muitos acreditam. (...)Quando se trata de metabolismo, há uma regra que diz que é melhor remover a agressão e optimizar a protecção. E, sobre esse tema, há dois aspectos importantes a serem considerados:
• Quanto mais antioxidantes a dieta contém, menos colagénio é destruído. O reino vegetal contém 64 vezes mais antioxidantes do que o animal, então adoptar uma alimentação vegetariana baseada em produtos naturais e integrais traz vantagens para a estrutura da pele.
• Níveis elevados de cortisol (uma das hormonas produzidas em situação de stress) causam destruição de colagénio. Assim, menos stress significa maior preservação.”
— Dr. Eric Slywitch in Virei Vegetariano, e Agora?
O colagénio é só mais uma das milhares substâncias de origem animal que utilizamos habitualmente sem pensarmos um pouco sobre a sua origem. Assim como os restantes subprodutos ligados à pecuária, é conseguido a partir da exploração exaustiva dos animais, que não são poupados por uma indústria que não olha a meios para lucrar maximamente com eles.
Uma alternativa para quem gosta de gelatina é o ágar-ágar, extraído das algas marinhas e dez vezes mais consistente, o que o torna mais rentável.
É possível sermos saudáveis por dentro e por fora sem usarmos quaisquer produtos e subprodutos de origem animal: prefiram alternativas vegetais mais naturais e rejeitem a crueldade.
Imagem: Pinterest
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