Pois é, o interlúdio metamorfoseou para uma ausência. Não que me tenha esquecido do blogue — pelo contrário, pensei inúmeras vezes nele, nos temas que pretendo escrever e nos textos que quero partilhar — mas o tempo insiste em ser inexistente, além da saúde mental permanecer demasiado fragilizada para dar asas a exercícios intelectuais. Tenho um quintilião de livros sobre ética animal para estudar, de modo a apresentar as minhas considerações por aqui, mas nem uma frase consigo apreender sequer. É como se o cansaço fosse uma nimbo-estrato de ferro, bloqueando a minha mente de capacidades básicas como ler e escrever. E, a cada dia que passa ,é como se essa nuvem se enrolasse mais, e mais, e mais, transformando-se num traiçoeiro novelo espinhoso e emaranhado.
E, se de um lado o cansaço é um enorme condicionante, no outro está o pessimismo e a desesperança, filhos das inúmeras tragédias que, impotentes, actualmente assistimos e da desconfortável impressão de que estamos embriagados na apatia e na intolerância. Cada vez mais sinto que o altruísmo e a compaixão estão a desvanecer perigosamente, o que me deixa a pensar se ainda é pertinente semear gentileza numa batalha que parece estar cada vez mais perdida. Antes conseguia sonhar, mesmo estando o mundo doente, mas tudo isso findou. O niilismo só não se assenhoreia de mim porque o coração, apesar de trucidado, todos os dias assiste como o ser humano é bom por natureza e que, precisamente por isso, vale a pena continuar a resistir. A libertação animal parece-me cada vez mais longínqua, tendo em conta como nos temos aprisionado uns aos outros com os grilhões da ganância e do ódio, mas a luta tem de prosseguir, mesmo que seja a minoria a abraçá-la. Esta e outras mais, pela liberdade de todas e de todos, tenha pele, pêlo, penas, escamas ou simples casca.
Finalizado este desabafo, acrescento que continuo sem saber quando voltarei a estar mais activa por estes lados: no entanto, garanto que tanto o blogue como a causa não estão olvidados e que pretendo, assim que me sentir melhor, retornar com consistência. Também tenho intenção de criar uma nova rubrica, enquanto me encontro incapaz de desenvolver conteúdo para os Rascunhos Antiespecistas, com dicas de leituras voltadas para os mais pequenos. Até lá, permanecerei um pouco mais no casulo que teci para me recuperar e deixo-vos com uma espécie de receita de uma espécie de pão de ‘queijo’ (também chamado de pão de beijo ou de pão sem queijo, sendo que o chamo de bolinhas de tofu). Não sei se é propriamente correcto designá-la de receita por ter sido feita a olho, mas é tão saborosa que tinha de partilhar.
Vão precisar de:
Tofu firme
Azeite
Sal fino
Levedura nutricional
Polvilho doce e polvilho azedo
Pré-aqueçam o forno a 180°C.
Esmaguem o tofu até ele ficar o mais despedaçado possível. Acrescentem sal e levedura nutricional a gosto (eu coloco muita levedura, fica espectacular) e azeite o suficiente para obter uma mistura levemente hidratada mas não oleosa e nem demasiado seca. Envolvam tudo muito bem, aproveitando para moer ainda mais o tofu.
Aqui é a parte em que a intuição trabalha com a precaução: coloquem, aos poucos, os polvilhos, um de cada vez. Eu coloco um pouco mais de polvilho doce do que azedo por gostar das bolinhas mais macias, mas se preferem uma capa mais crocante invertam e adicionem um pouco mais de polvilho azedo do que doce. Misturem até obter uma consistência firme mas não dura. O preparado também não pode ficar com uma textura farinhenta: deve estar húmido e sem colar nas mãos limpas e secas.
O preparado necessitará de ficar, sensivelmente, com uma consistência similar a esta. Aqui fiz cerca de 700 gramas de tofu, o que rendeu 22 bolinhas (teria dado mais se uma certa mini madame não tivesse assaltado a tigela continuamente 🌚).
Moldem em bolinhas e distribuam no tabuleiro do forno forrado com papel vegetal, deixando assar por 20 minutos.
Retirem do forno e deixem arrefecer por alguns minutos: quentinhas são deliciosas, mas também são boas frias. Comam tudo e não deixem nada 😊
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Quando parei de comer animais aconteceu um fenómeno para lá de espectacular: de repente, quase toda a gente virou nutricionista do dia para a noite. O mais engraçado é que antes, quando tinha quebras de tensão e gripe com frequência, ninguém me dizia nada porque eu comia carne. Agora, que já não sei mais o que é ter quebras de tensão e muito raramente me constipo, todos têm alguma coisa a dizer relativamente à minha alimentação e como estou a fazer tanto mal à minha saúde.
Ouvi tantas vezes que a alimentação vegetariana não é saudável que já perdi a conta: aqui, exponho as inferências que consegui lembrar. Todas as respostas têm como base estudos credenciados e o conhecimento de nutricionistas e médicos.
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Procuram por cosméticos que, além de não testados em animais, só têm ingredientes do bem e são artesanais? Então fiquem por aqui, que este post é para vós. Quem me segue há algum tempo sabe que sou fã da Miristica, um dos nossos tesouros de cosmética nacional e feita à mão. Descobri a marca no ano em que a Inês a lançou, já lá vão quase 10 anos. Das suas alquimias bonitas que já usei, o desodorizante ainda não tinha sido uma delas – e continuo sem acreditar que só decidi experimentá-lo agora.
Andava desesperadamente à procura de um desodorizante que me ajudasse a amenizar o odor axilar: o corpo tem as suas maneiras peculiares de se transformar depois de ser casinha de outro ser vivo e, pelos vistos, achou interessante apresentar-me a belíssima da bromidrose 🌚 Perdi a conta de quantos desodorizantes experimentei, tanto artesanais como convencionais, sendo que nenhum estava a conseguir ser eficaz. Até o formato spray, que tinha abandonado há anos por razões ecológicas, tornei a usar tal foi a aflição. Tudo em vão. As bactérias das minhas axilas só se riam das minhas tentativas frustradas de as neutralizar.
Foi por (um feliz) acaso que efectuei uma encomenda com a Inês e aproveitei para conversar com ela sobre esta situação. Passados uns dias recebi um desodorizante dela juntamente com a minha compra ♡ Este é com aroma a eucalipto, obtido exclusivamente a partir de óleo essencial, e a base é de óleo de coco, cera de soja (não OGM) e manteiga de karité prensada a frio. Os restantes componentes são o bicarbonato de sódio, argila branca, amido de milho e óleo essencial de tea tree, que é naturalmente um antibacteriano. É isento de água, o que o torna altamente concentrado, pelo que uma pequena dose basta.
Coloquei uma camada fina enquanto fazia figas com todas as forças. A textura é granulosa por conta do bicarbonato de sódio mas não arranha a pele e o desodorizante espalha-se bem. Não mancha a roupa e, como fica sequinho assim que é colocado, não forma aquela espécie de película super desagradável que parece baba de camelo raivoso. Logo por aí gostei dele e desejei muito que resultasse comigo.
Nas primeiras aplicações não conseguiu fazer efeito, devido à pele ter sido constantemente impregnada por antitranspirantes: assim como fiz com os desodorizantes anteriores continuei a insistir, na esperança de que funcionasse.
E assim o foi. Ao fim de sete dias, mais coisa menos coisa, o cheiro passou a ser zero. Os dias passaram para semanas e cá estamos nós implacáveis. Agora as minhas axilas são um pequeno eucaliptal graças à Inês. Ah, mulher, que sejas eternamente abençoada ♡
E assim o foi. Ao fim de sete dias, mais coisa menos coisa, o cheiro passou a ser zero. Os dias passaram para semanas e cá estamos nós implacáveis. Agora as minhas axilas são um pequeno eucaliptal graças à Inês. Ah, mulher, que sejas eternamente abençoada ♡
Os desodorizantes da Miristica são sustentáveis desde o conteúdo à embalagem, sendo armazenados em frascos de vidro. Há em dois tamanhos e, além de eucalipto, há de alfazema ou neutro (sem aroma).
Preço: 6€ (40ml) e 14€ (14ml)
MIRISTICA
100% vegano ♡ 0% de crueldade ♡ Ecológico
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Finalmente: três quartos de século depois de ter anunciado, consegui iniciar esta rubrica! Já há algum tempo que pretendia partilhar por aqui textos mais teóricos relacionados com direitos dos animais, mas é conteúdo que exige duas coisas que, neste momento, não tenho: cabeça e tempo. Ainda assim, estava a custar-me imenso não avançar com ela, pelo que pensei em, pelo menos, traduzir algum estudo relacionado com a senciência dos animais – um tema que considero de suma importância divulgar e desenvolver para uma compreensão mais aprofundada sobre estes nossos irmãos tão maltratados por nós.
Então recordei-me de um artigo que li, há alguns anos, sobre as investigações de Jonathan Balcombe sobre os peixes, as quais ele reuniu num livro: encontrei a obra em inglês e já a adquiri para, futuramente, escrever aqui os meus pareceres sobre.
Já escrevi um artigo extenso sobre a senciência dos peixes, no qual juntei diversos estudos científicos: no entanto, por serem dos animais mais discriminados por nós nunca é demais sabermos mais sobre eles.
Sobre o autor: Jonathan Balcombe é um etólogo inglês. O seu trabalho está distribuído em mais de 60 artigos científicos e em seis livros, todos eles relacionados com a senciência e o comportamento animal. É editor associado da revista Animal Sentience, da Humane Society Institute for Science and Policy, e dá palestras sobre comportamento animal e a relação que temos com os mesmos.
Este texto é uma tradução de uma entrevista para a NPR.
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Os Peixes Também têm Sentimentos: A Vida Intíma dos Nossos Primos Subaquáticos
Jonathan Balcombe | NPR • Junho de 2016
Quando pensamos em peixe, provavelmente é na hora do jantar. Já Jonathan Balcombe, por outro lado, dedica-se a investigar sobre a vida emocional dos peixes. Balcombe, que actua como director da [revista] Animal Sentience da Humane Society Institute for Science and Policy, declarou a Terry Gross, da Fresh Air, que os humanos estão mais perto do que nunca de entender os peixes. “Graças aos avanços na etologia, sociobiologia, neurobiologia e ecologia, podemos agora compreender melhor como é o mundo para os peixes”, diz Balcombe.
No seu novo livro, What A Fish Knows: The Inner Lives Of Our Underwater Cousins, Balcombe apresenta evidências de que os peixes têm uma consciência — ou “senciência” — que lhes permite sentir dor, reconhecer humanos individuais e ter memória. Ele argumenta que os humanos deviam avaliar as implicações morais em relação a como capturamos e exploramos os peixes. “Nós matamos entre 150 milhões e mais de 2 biliões de peixes por ano – e a forma como morrem (na pesca comercial) é, de facto, bastante sombria”, alerta. “São inúmeras as mudanças que se fazem necessárias para se reflectir numa melhoria na nossa relação com os peixes”.
Sobre como podemos saber se os peixes estão a sentir dor
O estudo mais primoroso sobre a dor em peixes que já vi foi feito há alguns anos por uma bióloga chamada Lynne Sneddon, no Reino Unido. Ela recorreu a peixes-zebra, que são comumente usados em pesquisas. E o que eles [grupo de estudo] fizeram foi colocar um cardume de peixes-zebra — não me lembro de quantos, talvez uns trinta — num tanque complexo que tinha dois espaços. Um dos espaços estava ornamentado, com pedras e vegetação: já o outro era árido. Provavelmente já adivinhaste em qual espaço os peixes passaram todo o tempo – no ornamentado. Os peixes apreciam lugares para se esconder e também de um ambiente estimulador.
Depois, injectaram nos peixes uma de duas substâncias. Uma delas foi uma solução ácida, conhecida por ser cáustica e presumivelmente dolorosa para os peixes, caso eles sintam dor. A outra, administrada em metade dos peixes, que foram seleccionados aleatoriamente, era soro fisiológico. Os peixes foram observados, para ver como se comportavam, e todos continuaram a nadar na parte do tanque mais ornamentado. Então, foi dissolvida uma solução analgésica no espaço vazio – e eis que alguns peixes começaram a migrar e a nadar para ficar naquela área totalmente indesejável, tendo sido apenas aqueles que foram injectados com o ácido e não os que foram injectados com a solução salina. Penso que seja uma demonstração bastante convincente da dor nos peixes.
O que significa senciência animal
A senciência é como a gravidez: estás grávida ou não; és senciente ou não. E se um animal é senciente, o que é indicador de algum tipo de consciência, com particularidade na capacidade de sentir dor e, ainda diria, por extensão, de sentir prazer, então, para mim, isso figura que o animal tem tracção moral, ou deveria ter tracção moral – grosso modo, que o animal merece a consideração dos outros. Porque aquele animal pode ter um dia bom e um dia ruim e podem acontecer coisas boas ou ruins com ele. E isso, como eu disse, é a base da ética.
Sobre alguns peixes de recife que parecem reconhecer mergulhadores individuais
Houve um novo estudo que mostrou o reconhecimento individual de rostos humanos por peixes; sendo assim, é altamente provável que reconheçam mergulhadores individuais. Eles aparecem [para os mergulhadores] para serem acariciados; quase parecem cães. Não sei se eles rolam para que a barriga seja acariciada, embora alguns tubarões entrem num aparente estado de euforia quando têm a barriga esfregada.
Sobre com os peixes usam uma “linha lateral” para sentir a pressão da água e navegar à noite
[Os peixes] têm alguns outros sentidos muito interessantes e que valem a pena mencionar. Um deles é a sensação de pressão ou movimento da água graças a uma linha lateral. Estamos agora a falar de peixes ósseos, não de tubarões ou raias; são os peixes ósseos que possuem essa linha. Podemos notar uma fileira escura de escamas ao longo da linha central de um peixe ósseo, e essa é, na verdade, uma sombra projectada por essas escamas específicas. Há uma depressão em cada uma dessas escamas, e nessa depressão existem pequenas câmaras em forma de copo, que contêm gel e pequenos pêlos que projectam e detectam mudanças de pressão. É muito útil para navegar à noite, para evitar coisas perigosas em condições de visão limitada, entre outras situações do género.
Sobre os sentidos eléctricos que alguns peixes possuem
Alguns peixes, incluindo tubarões e acho que também as raias, são electrorreceptivos, ou seja, podem detectar sinais eléctricos de outros organismos. Também há peixes electroprodutores: os peixes-faca da América do Sul e os peixes-elefante são ambos produtos de electricidade. São providos de EODs, que são descargas eléctricas de órgãos, e usam-nos como sinais de comunicação – e o modo como o fazem é impressionante: por exemplo, eles mudam a própria frequência se nadarem perto de outro peixe com frequência semelhante, para não se atrapalharem e se confundirem. Eles também mostram deferência desligando os seus EODs quando passam por um detentor de território – até porque não é boa ideia irritá-lo, pelo que provavelmente é melhor ficar “em silêncio” durante esse momento.
As percepções e habilidades sensoriais dos peixes são fruto de mais de 400 milhões de anos de evolução, pelo que não é propriamente surpreendente que eles tenham formas fascinantes de sentir os seus ambientes.
Sobre os peixes recorrerem a flatulência como meio de comunicação
Há um exemplo realmente curioso que envolve arenques e que não resisto em citar. Acho que se inventasses uma frase que melhor captasse isso, uma frase delicada, comunicação flatulenta talvez fosse o termo apropriado. Eles [os arenques] vivem em cardumes enormes e emitem gases do ânus em grande número, o que emite um som. E eles parecem usar isso como um dispositivo de comunicação – talvez para sinalizar aos outros que é hora de subir ou descer da coluna de água, por ser aquela altura do dia em que os predadores aparecem mais.
Sobre o comércio de peixes e a popularidade do cirurgião-patela, o peixe apresentado em Finding Dory
Alguns dos métodos de captura [destes peixes] são hediondos: envenenamento por cianeto, que mata muitos dos peixes visados, bem como aqueles que não são alvo, além de ocasionalmente serem utilizados dispositivos explosivos. E depois temos as vicissitudes do transporte, onde são levados através dos continentes e a taxa de mortalidade é bastante elevada.
A Dory [do filme da Pixar] é um cirurgião-patela: como o filme vai chamar muita atenção para esta esta espécie, é certo que a mesma será popular no comércio de peixes [para aquários]. Infelizmente, os cirurgiões-patela, ao serem capturados na natureza, estão sujeitos a alguns males dessa indústria. Precisamente por isso, estamos a fazer uma campanha activa na tentativa de desencorajar as pessoas de comprarem esses peixes: quando compras um produto estás a dizer ao fabricante para continuar a vendê-lo e nós não queremos que isso aconteça. ■
Imagens: Pexels e Google
Jonathan Balcombe | NPR • Junho de 2016
Quando pensamos em peixe, provavelmente é na hora do jantar. Já Jonathan Balcombe, por outro lado, dedica-se a investigar sobre a vida emocional dos peixes. Balcombe, que actua como director da [revista] Animal Sentience da Humane Society Institute for Science and Policy, declarou a Terry Gross, da Fresh Air, que os humanos estão mais perto do que nunca de entender os peixes. “Graças aos avanços na etologia, sociobiologia, neurobiologia e ecologia, podemos agora compreender melhor como é o mundo para os peixes”, diz Balcombe.
No seu novo livro, What A Fish Knows: The Inner Lives Of Our Underwater Cousins, Balcombe apresenta evidências de que os peixes têm uma consciência — ou “senciência” — que lhes permite sentir dor, reconhecer humanos individuais e ter memória. Ele argumenta que os humanos deviam avaliar as implicações morais em relação a como capturamos e exploramos os peixes. “Nós matamos entre 150 milhões e mais de 2 biliões de peixes por ano – e a forma como morrem (na pesca comercial) é, de facto, bastante sombria”, alerta. “São inúmeras as mudanças que se fazem necessárias para se reflectir numa melhoria na nossa relação com os peixes”.
Destaques da entrevista
Sobre como podemos saber se os peixes estão a sentir dor
O estudo mais primoroso sobre a dor em peixes que já vi foi feito há alguns anos por uma bióloga chamada Lynne Sneddon, no Reino Unido. Ela recorreu a peixes-zebra, que são comumente usados em pesquisas. E o que eles [grupo de estudo] fizeram foi colocar um cardume de peixes-zebra — não me lembro de quantos, talvez uns trinta — num tanque complexo que tinha dois espaços. Um dos espaços estava ornamentado, com pedras e vegetação: já o outro era árido. Provavelmente já adivinhaste em qual espaço os peixes passaram todo o tempo – no ornamentado. Os peixes apreciam lugares para se esconder e também de um ambiente estimulador.
Depois, injectaram nos peixes uma de duas substâncias. Uma delas foi uma solução ácida, conhecida por ser cáustica e presumivelmente dolorosa para os peixes, caso eles sintam dor. A outra, administrada em metade dos peixes, que foram seleccionados aleatoriamente, era soro fisiológico. Os peixes foram observados, para ver como se comportavam, e todos continuaram a nadar na parte do tanque mais ornamentado. Então, foi dissolvida uma solução analgésica no espaço vazio – e eis que alguns peixes começaram a migrar e a nadar para ficar naquela área totalmente indesejável, tendo sido apenas aqueles que foram injectados com o ácido e não os que foram injectados com a solução salina. Penso que seja uma demonstração bastante convincente da dor nos peixes.
A senciência é como a gravidez: estás grávida ou não; és senciente ou não. E se um animal é senciente, o que é indicador de algum tipo de consciência, com particularidade na capacidade de sentir dor e, ainda diria, por extensão, de sentir prazer, então, para mim, isso figura que o animal tem tracção moral, ou deveria ter tracção moral – grosso modo, que o animal merece a consideração dos outros. Porque aquele animal pode ter um dia bom e um dia ruim e podem acontecer coisas boas ou ruins com ele. E isso, como eu disse, é a base da ética.
Sobre alguns peixes de recife que parecem reconhecer mergulhadores individuais
Houve um novo estudo que mostrou o reconhecimento individual de rostos humanos por peixes; sendo assim, é altamente provável que reconheçam mergulhadores individuais. Eles aparecem [para os mergulhadores] para serem acariciados; quase parecem cães. Não sei se eles rolam para que a barriga seja acariciada, embora alguns tubarões entrem num aparente estado de euforia quando têm a barriga esfregada.
Sobre com os peixes usam uma “linha lateral” para sentir a pressão da água e navegar à noite
[Os peixes] têm alguns outros sentidos muito interessantes e que valem a pena mencionar. Um deles é a sensação de pressão ou movimento da água graças a uma linha lateral. Estamos agora a falar de peixes ósseos, não de tubarões ou raias; são os peixes ósseos que possuem essa linha. Podemos notar uma fileira escura de escamas ao longo da linha central de um peixe ósseo, e essa é, na verdade, uma sombra projectada por essas escamas específicas. Há uma depressão em cada uma dessas escamas, e nessa depressão existem pequenas câmaras em forma de copo, que contêm gel e pequenos pêlos que projectam e detectam mudanças de pressão. É muito útil para navegar à noite, para evitar coisas perigosas em condições de visão limitada, entre outras situações do género.
Sobre os sentidos eléctricos que alguns peixes possuem
Alguns peixes, incluindo tubarões e acho que também as raias, são electrorreceptivos, ou seja, podem detectar sinais eléctricos de outros organismos. Também há peixes electroprodutores: os peixes-faca da América do Sul e os peixes-elefante são ambos produtos de electricidade. São providos de EODs, que são descargas eléctricas de órgãos, e usam-nos como sinais de comunicação – e o modo como o fazem é impressionante: por exemplo, eles mudam a própria frequência se nadarem perto de outro peixe com frequência semelhante, para não se atrapalharem e se confundirem. Eles também mostram deferência desligando os seus EODs quando passam por um detentor de território – até porque não é boa ideia irritá-lo, pelo que provavelmente é melhor ficar “em silêncio” durante esse momento.
As percepções e habilidades sensoriais dos peixes são fruto de mais de 400 milhões de anos de evolução, pelo que não é propriamente surpreendente que eles tenham formas fascinantes de sentir os seus ambientes.
Há um exemplo realmente curioso que envolve arenques e que não resisto em citar. Acho que se inventasses uma frase que melhor captasse isso, uma frase delicada, comunicação flatulenta talvez fosse o termo apropriado. Eles [os arenques] vivem em cardumes enormes e emitem gases do ânus em grande número, o que emite um som. E eles parecem usar isso como um dispositivo de comunicação – talvez para sinalizar aos outros que é hora de subir ou descer da coluna de água, por ser aquela altura do dia em que os predadores aparecem mais.
Sobre o comércio de peixes e a popularidade do cirurgião-patela, o peixe apresentado em Finding Dory
Alguns dos métodos de captura [destes peixes] são hediondos: envenenamento por cianeto, que mata muitos dos peixes visados, bem como aqueles que não são alvo, além de ocasionalmente serem utilizados dispositivos explosivos. E depois temos as vicissitudes do transporte, onde são levados através dos continentes e a taxa de mortalidade é bastante elevada.
A Dory [do filme da Pixar] é um cirurgião-patela: como o filme vai chamar muita atenção para esta esta espécie, é certo que a mesma será popular no comércio de peixes [para aquários]. Infelizmente, os cirurgiões-patela, ao serem capturados na natureza, estão sujeitos a alguns males dessa indústria. Precisamente por isso, estamos a fazer uma campanha activa na tentativa de desencorajar as pessoas de comprarem esses peixes: quando compras um produto estás a dizer ao fabricante para continuar a vendê-lo e nós não queremos que isso aconteça. ■
Imagens: Pexels e Google
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Por mais que tentemos desligar os movimentos sociais uns das outros, a verdade é que estes permanecem interligados. Negá-lo só ajuda a fortalecer ainda mais os problemas que procuramos resolver e as opressões que sonhamos em dissolver. E o veganismo não é excepção.
A importância de encarar o veganismo como luta política no colectivo — fugindo da imagem que ergue maioritariamente, como um estilo de vida e mero consumo individual — é fulcral para conseguirmos as tão desejadas jaulas vazias. Para isso, tal óptica requer compreender como as discriminações se comunicam – mostrando, assim, que sem libertação humana não poderá haver libertação animal.
The Smell Of Money abre uma janela para visualizarmos um pouco esse vínculo – neste caso, entre o especismo e o racismo, no qual a natureza também é afectada. O documentário denuncia os impactos sofridos pelos habitantes de Duplin, na Carolina do Norte, EUA, causados pela Smithfield, uma das maiores exploradoras de porcos. Os moradores são predominantemente negros e, apesar da batalha judicial que decorre há décadas, a empresa continua a escudar-se com a indiferença e parca influência política, visto a Carolina do Norte permitir que pecuárias descartem os dejectos dos animais borrifando-os pelo ar com recurso a máquinas. As consequências são terríveis: restrição de ar puro e pouco acesso a água limpa, bem como os excrementos revestem constantemente as paredes exteriores das casas.
Entre 2018 e 2019, um dos juízes que tratou deste processo referiu que, se fossem mansões de ricos e políticos, no lugar de pessoas pobres, a celeuma teria sido imediatamente resolvida com o cessar da empresa pecuária. A sua declaração, brutalmente crua mas necessária, escancara como o sistema ignora descaradamente indivíduos de certas classes e etnias, bem como não olha a meios para transformar animais em lucro.
Kate Mara, uma das produtoras do documentário, declarou: “Esperamos que o filme enfureça as pessoas pelo flagrante desrespeito da pecuária pelo bem-estar animal, ambiental e pelas comunidades carentes, nas quais a indústria instala-se e destrói vidas. Não podemos continuar com o nosso actual sistema alimentar e ignorar o racismo ambiental que assola estas comunidades.”
O documentário está actualmente a ser exibido em alguns cinemas estadunidenses e, de acordo com o site oficial, ficará brevemente disponível em streaming. Vejam o trailer abaixo:
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