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15/10/2025
Rascunhos Antiespecistas | Quando a linguagem se torna cruel: a proibição do “burguer vegetal”

No dia 8 de Outubro, os eurodeputados discutiram uma proposta que, entre outros aspectos, requeria a proibição de termos como burger, salsicha e escalope para produtos de origem vegetal. Por outras palavras, tais produtos não podem ser mais denominados e rotulados com tais termos. A proposição é a seguinte:
Emenda 113Proposta de regulamentoArtigo 1.º – n.º 1 – ponto 8 f) (novo)Regulamento (UE) n.º 1308/2013Anexo VIII – parte II A (nova)No Anexo VIII, é acrescentada a seguinte parte:Parte II ACarne, produtos de carne e preparações de carnePara efeitos da presente parte, entende-se por carne as partes comestíveis dos animais referidos nos pontos 1.2 a 1.8 do Anexo I do Regulamento (CE) n.º 853/2004, incluindo o sangue. Os termos e denominações relacionados com carne, abrangidos pelo artigo 17.º do Regulamento (UE) n.º 1169/2011 e actualmente utilizados para carne e cortes de carne, devem ser reservados exclusivamente para as partes comestíveis desses animais. (...)As denominações abrangidas pelo artigo 17.º do Regulamento (UE) n.º 1169/2011 que são actualmente utilizadas para produtos e preparações de carne devem ser reservadas exclusivamente a produtos que contenham carne. Essas denominações incluem, por exemplo: bife, escalope, salsicha, hambúrguer (...) Os produtos e cortes de aves definidos no Regulamento (UE) n.º 543/2008, que estabelece as regras de execução do Regulamento (UE) n.º 1234/2007 do Conselho no que respeita às normas de comercialização da carne de aves de capoeira, devem ser reservados exclusivamente às partes comestíveis dos animais e aos produtos que contenham carne de aves. As denominações acima mencionadas não devem ser utilizadas para qualquer outro produto que não os referidos e excluem os produtos de cultura celular.
O fundamento apresentado foi que a utilização das palavras supracitadas para definir preparações à base de plantas não é transparente e pode induzir o consumidor a erro. Na verdade, a intenção é clara: defender os interesses da pecuária, o que implica defender uma visão que privilegia a carne de animais. A votação — de um parlamento agora mais distribuído à direita (Alô, veganos que separam veganismo de política? Este texto também é para vocês) — foi favorável à proposta. É particularmente estranho a União Europeia proteger uma das indústrias comprovadamente mais poluidoras, ao ponto de aprovar esta mesquinhez, e ao mesmo tempo bater o peito e garantir que está a trabalhar muito em prol do ambiente e da sustentabilidade. Pessoalmente não compreendo como podemos correlacionar ambas de forma coerente, visto não ser possível haver justiça climática com exploração animal.
Enquanto à superfície esta proibição aparenta ser um mero disparate e um gasto de recursos políticos (e é-o também, atenção), o seu âmago esconde alguns alicerces da exploração animal: a perpetuação e normalização do especismo simbólico e do especismo psicológico.
Enquanto à superfície esta proibição aparenta ser um mero disparate e um gasto de recursos políticos (e é-o também, atenção), o seu âmago esconde alguns alicerces da exploração animal: a perpetuação e normalização do especismo simbólico e do especismo psicológico.
Assim como outras formas de opressão, o especismo — que é a discriminação com base na espécie — é repartido em várias categorias. De facto, categorizar é uma das bases da discriminação, visto a mesma necessitar de uma visão dualista, algo que é explicado por Carol J. Adams: em The Pornography of Meat, Adams refere que existe a categoria “A”, culturalmente classificada como superior, racional e a que mantém a ordem – e, por isso, tem o privilégio de explorar, a seu bel-prazer, a categoria “Não A”, que é culturalmente entendida como inferior, emocional e instável, pelo que, além de precisar de ser subjugada, precisa de aceitar essa subjugação. Veja-se que Adams define a categoria considerada inferior como “Não A” em vez de “B”: tal deve-se por, no raciocínio hierárquico construído e imposto por “A, “Não A” ser totalmente despojada das qualidades e capacidades que qualificam o primeiro como sumamente superior. “Não A”, além de inferior, não tem autonomia e é vista como uma extensão imperfeita, dependente de “A”, que necessita de ser vergada e submeter-se às vontades de “A”. No caso da discriminação especista, “A” são os animais humanos e “Não A” são os animais não-humanos. E, para manter este fosso segregador, diversos estilos de discriminação são congeminados.
O especismo simbólico refere-se à forma como a linguagem, a cultura e os símbolos reforçam a ideia da superioridade humana em relação aos animais. Já o especismo psicológico actua na mente colectiva ao reforçar o hábito de associar “comida de verdade” à carne animal, enquanto despreza o vegetal e o reduz a “imitação”, “substituto” e “artificial”. Os animais tornam-se, assim, imperceptíveis enquanto seres sencientes e reduzidos a mercadoria.
Fica, assim, evidente que esta proibição não é só uma questão de semântica: é uma tentativa de preservar a percepção cultural que temos em relação à carne e aos próprios animais. É mais uma das milhares de rodas que movimentam a engrenagem do especismo, sendo que esta roda, recentemente inserida pela União Europeia, recorre à linguagem veladamente para fortalecer, ainda mais, o conceito de que certos animais são alimento – e que os seus pedaços formam o substancial e inevitável protagonista do nosso prato. As suas contrapartes vegetais são, assim, ridicularizadas e reduzidas aos rótulos acima mencionados.
Esta interdição também mostra aquilo que o especismo é: cruel, hegemónico e dissimulado. Cruel porque, juntamente com o capitalismo, depende do sofrimento e da matança de animais para prosperar. Não foi por acaso que, sem surpresas, o sector pecuário regozijou-se com esta decisão de proibir os termos para opções vegetais;
Hegemónico porque não admite que a divergência ganhe força, por mais que essa força seja uma humilde gota num imenso oceano de vilanias – e é aqui que entra a pressão da indústria da carne, incluindo tornar termos gerais exclusivamente seus;
Dissimulado porque, ao mesmo tempo que argumenta pela proibição desses termos “para não enganar os consumidores”, despersonaliza os animais de tal modo que os respectivos retalhos em nada se assemelham a eles. Um hambúrguer não se parece com uma vaca. Uma salsicha não se parece com um porco. Porque se esforçam tanto para tornar os animais referentes ausentes dos seus próprios corpos? Porque é que os animais são obliterados ao ponto dos seus pedaços nos fazer esquecer que antes, em vida, existiu um indivíduo completo, complexo e consciente?
Um pormenor presente na emenda e que achei interessante foi a definição oficial apresentada para “carne”: partes comestíveis de animais. Foi a partir dessa premissa que o argumento de exclusividade das palavras hambúrguer, salsicha, etc., foi desenvolvido, visto que carne, de acordo com a dita, é unicamente de animais – sendo assim, obviamente que faz sentido as definições supratranscritas só poderem ser aplicadas àquilo que for de origem animal.
Um pormenor presente na emenda e que achei interessante foi a definição oficial apresentada para “carne”: partes comestíveis de animais. Foi a partir dessa premissa que o argumento de exclusividade das palavras hambúrguer, salsicha, etc., foi desenvolvido, visto que carne, de acordo com a dita, é unicamente de animais – sendo assim, obviamente que faz sentido as definições supratranscritas só poderem ser aplicadas àquilo que for de origem animal.
Achei interessante porque, etimologicamente, a palavra “carne” deriva do latim caro, carnis, que significa “substância do corpo”. No entanto, não era especificamente sobre substância animal e referia-se a qualquer parte mole do corpo independentemente da sua origem. Carne de coco, carne de caju e carne de melancia são alguns exemplos: tais expressões existiam (e ainda existem!) e eram consideradas correctas e normais. Em suma, originalmente, carne designava a parte comestível e macia de algo. Mais tarde, com o aumento do consumo de animais e o domínio da pecuária, o termo foi apropriado cultural e economicamente para significar, exclusivamente, o tecido muscular de animais. Como podemos ver, rebaptizar e expropriar palavras não é uma novidade da engrenagem especista.
Quanto aos termos que fomentaram todo este debate, são designações para formatos de alimentos e como estes foram confeccionados: “hambúrguer” é um preparado arredondado, feito com um ou mais ingredientes principais, que foram picados, temperados e aglomerados; “salsicha” é um enchido que, apesar de comummente ser de carne de animais, também pode ser feito com vegetais: há registos culinários medievais de salsicha de arroz e lentilhas, por exemplo.
Questões etimológicas e históricas à parte, outro factor que esta proibição criou é que um hambúrguer, uma salsicha e um escalope, ao só poderem ser designados como tal se forem de origem animal, passam também a carregar, exclusivamente, o que vem juntamente com a carne mas que nos é invisível: a dor, a tortura e a morte. Usemos as armas do especismo contra ele próprio: denunciemos o real significado do que está por detrás daquilo que se consome.
No fundo, esta proibição revela o medo de um sistema que teme qualquer questionamento ou crítica ao monopólio da carne – e, paradoxalmente, ao mostrar esse medo, oferece-nos a chance de ver as coisas com mais clareza, como o mundo vegetal não necessitar das designações que o status quo, no alto do seu preconceito, lhes nega constantemente. Concordo que devamos resistir e exigir o direito de usar essas palavras — afinal, não é por ser isento de origem animal que deve ser silenciado —, mas, ao também revelarmos que não precisamos delas para legitimar o que é vegetal, estamos a desmantelar esta lógica de subordinação, que ridiculariza o vegetal ao acusá-lo de copiar o animal através desses termos para se viabilizar. Estamos, de alguma forma, a libertar a alimentação à base de plantas da dependência do discurso dominante. Como escreveu Ruan Félix, um cogumelo não precisa de ser chamado de bife ou de bacon para brilhar – só precisa de ser chamado pelo que é: um cogumelo. Um simples, carnudo (ups, espero que a UE não me excomungue) e apetitoso cogumelo.
No fundo, esta proibição revela o medo de um sistema que teme qualquer questionamento ou crítica ao monopólio da carne – e, paradoxalmente, ao mostrar esse medo, oferece-nos a chance de ver as coisas com mais clareza, como o mundo vegetal não necessitar das designações que o status quo, no alto do seu preconceito, lhes nega constantemente. Concordo que devamos resistir e exigir o direito de usar essas palavras — afinal, não é por ser isento de origem animal que deve ser silenciado —, mas, ao também revelarmos que não precisamos delas para legitimar o que é vegetal, estamos a desmantelar esta lógica de subordinação, que ridiculariza o vegetal ao acusá-lo de copiar o animal através desses termos para se viabilizar. Estamos, de alguma forma, a libertar a alimentação à base de plantas da dependência do discurso dominante. Como escreveu Ruan Félix, um cogumelo não precisa de ser chamado de bife ou de bacon para brilhar – só precisa de ser chamado pelo que é: um cogumelo. Um simples, carnudo (ups, espero que a UE não me excomungue) e apetitoso cogumelo.
No fim, o que está em jogo não são somente palavras, até porque a verdadeira transformação não está apenas em nomes ou rótulos: está em reconhecer a manipulação e a má-fé por detrás deste jogo, de escancarar as rodas desta engrenagem e, numa contracorrente desobediente, escolher o que é vivo, sem violência, sem domínio e sem medo. Está em semear e cultivar a nossa própria lógica. Uma que floresça sem sangue e sem morte. E com essa lógica seguimos, seja a informar, a criar ou a cozinhar. Um prato vegetal de cada vez.
Imagem: Roman Odintsov
Imagem: Roman Odintsov
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Finalmente: três quartos de século depois de ter anunciado, consegui iniciar esta rubrica! Já há algum tempo que pretendia partilhar por aqui textos mais teóricos relacionados com direitos dos animais, mas é conteúdo que exige duas coisas que, neste momento, não tenho: cabeça e tempo. Ainda assim, estava a custar-me imenso não avançar com ela, pelo que pensei em, pelo menos, traduzir algum estudo relacionado com a senciência dos animais – um tema que considero de suma importância divulgar e desenvolver para uma compreensão mais aprofundada sobre estes nossos irmãos tão maltratados por nós.
Então recordei-me de um artigo que li, há alguns anos, sobre as investigações de Jonathan Balcombe sobre os peixes, as quais ele reuniu num livro: encontrei a obra em inglês e já a adquiri para, futuramente, escrever aqui os meus pareceres sobre.
Já escrevi um artigo extenso sobre a senciência dos peixes, no qual juntei diversos estudos científicos: no entanto, por serem dos animais mais discriminados por nós nunca é demais sabermos mais sobre eles.
Sobre o autor: Jonathan Balcombe é um etólogo inglês. O seu trabalho está distribuído em mais de 60 artigos científicos e em seis livros, todos eles relacionados com a senciência e o comportamento animal. É editor associado da revista Animal Sentience, da Humane Society Institute for Science and Policy, e dá palestras sobre comportamento animal e a relação que temos com os mesmos.
Este texto é uma tradução de uma entrevista para a NPR.
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Os Peixes Também têm Sentimentos: A Vida Intíma dos Nossos Primos Subaquáticos
Jonathan Balcombe | NPR • Junho de 2016
Quando pensamos em peixe, provavelmente é na hora do jantar. Já Jonathan Balcombe, por outro lado, dedica-se a investigar sobre a vida emocional dos peixes. Balcombe, que actua como director da [revista] Animal Sentience da Humane Society Institute for Science and Policy, declarou a Terry Gross, da Fresh Air, que os humanos estão mais perto do que nunca de entender os peixes. “Graças aos avanços na etologia, sociobiologia, neurobiologia e ecologia, podemos agora compreender melhor como é o mundo para os peixes”, diz Balcombe.
No seu novo livro, What A Fish Knows: The Inner Lives Of Our Underwater Cousins, Balcombe apresenta evidências de que os peixes têm uma consciência — ou “senciência” — que lhes permite sentir dor, reconhecer humanos individuais e ter memória. Ele argumenta que os humanos deviam avaliar as implicações morais em relação a como capturamos e exploramos os peixes. “Nós matamos entre 150 milhões e mais de 2 biliões de peixes por ano – e a forma como morrem (na pesca comercial) é, de facto, bastante sombria”, alerta. “São inúmeras as mudanças que se fazem necessárias para se reflectir numa melhoria na nossa relação com os peixes”.
Sobre como podemos saber se os peixes estão a sentir dor
O estudo mais primoroso sobre a dor em peixes que já vi foi feito há alguns anos por uma bióloga chamada Lynne Sneddon, no Reino Unido. Ela recorreu a peixes-zebra, que são comumente usados em pesquisas. E o que eles [grupo de estudo] fizeram foi colocar um cardume de peixes-zebra — não me lembro de quantos, talvez uns trinta — num tanque complexo que tinha dois espaços. Um dos espaços estava ornamentado, com pedras e vegetação: já o outro era árido. Provavelmente já adivinhaste em qual espaço os peixes passaram todo o tempo – no ornamentado. Os peixes apreciam lugares para se esconder e também de um ambiente estimulador.
Depois, injectaram nos peixes uma de duas substâncias. Uma delas foi uma solução ácida, conhecida por ser cáustica e presumivelmente dolorosa para os peixes, caso eles sintam dor. A outra, administrada em metade dos peixes, que foram seleccionados aleatoriamente, era soro fisiológico. Os peixes foram observados, para ver como se comportavam, e todos continuaram a nadar na parte do tanque mais ornamentado. Então, foi dissolvida uma solução analgésica no espaço vazio – e eis que alguns peixes começaram a migrar e a nadar para ficar naquela área totalmente indesejável, tendo sido apenas aqueles que foram injectados com o ácido e não os que foram injectados com a solução salina. Penso que seja uma demonstração bastante convincente da dor nos peixes.

O que significa senciência animal
A senciência é como a gravidez: estás grávida ou não; és senciente ou não. E se um animal é senciente, o que é indicador de algum tipo de consciência, com particularidade na capacidade de sentir dor e, ainda diria, por extensão, de sentir prazer, então, para mim, isso figura que o animal tem tracção moral, ou deveria ter tracção moral – grosso modo, que o animal merece a consideração dos outros. Porque aquele animal pode ter um dia bom e um dia ruim e podem acontecer coisas boas ou ruins com ele. E isso, como eu disse, é a base da ética.
Sobre alguns peixes de recife que parecem reconhecer mergulhadores individuais
Houve um novo estudo que mostrou o reconhecimento individual de rostos humanos por peixes; sendo assim, é altamente provável que reconheçam mergulhadores individuais. Eles aparecem [para os mergulhadores] para serem acariciados; quase parecem cães. Não sei se eles rolam para que a barriga seja acariciada, embora alguns tubarões entrem num aparente estado de euforia quando têm a barriga esfregada.
Sobre com os peixes usam uma “linha lateral” para sentir a pressão da água e navegar à noite
[Os peixes] têm alguns outros sentidos muito interessantes e que valem a pena mencionar. Um deles é a sensação de pressão ou movimento da água graças a uma linha lateral. Estamos agora a falar de peixes ósseos, não de tubarões ou raias; são os peixes ósseos que possuem essa linha. Podemos notar uma fileira escura de escamas ao longo da linha central de um peixe ósseo, e essa é, na verdade, uma sombra projectada por essas escamas específicas. Há uma depressão em cada uma dessas escamas, e nessa depressão existem pequenas câmaras em forma de copo, que contêm gel e pequenos pêlos que projectam e detectam mudanças de pressão. É muito útil para navegar à noite, para evitar coisas perigosas em condições de visão limitada, entre outras situações do género.
Sobre os sentidos eléctricos que alguns peixes possuem
Alguns peixes, incluindo tubarões e acho que também as raias, são electrorreceptivos, ou seja, podem detectar sinais eléctricos de outros organismos. Também há peixes electroprodutores: os peixes-faca da América do Sul e os peixes-elefante são ambos produtores de electricidade. São providos de EODs, que são descargas eléctricas de órgãos, e usam-nos como sinais de comunicação – e o modo como o fazem é impressionante: por exemplo, eles mudam a própria frequência se nadarem perto de outro peixe com frequência semelhante, para não se atrapalharem e se confundirem. Eles também mostram deferência desligando os seus EODs quando passam por um detentor de território – até porque não é boa ideia irritá-lo, pelo que provavelmente é melhor ficar “em silêncio” durante esse momento.
As percepções e habilidades sensoriais dos peixes são fruto de mais de 400 milhões de anos de evolução, pelo que não é propriamente surpreendente que eles tenham formas fascinantes de sentir os seus ambientes.

Sobre os peixes recorrerem a flatulência como meio de comunicação
Há um exemplo realmente curioso que envolve arenques e que não resisto em citar. Acho que se inventasses uma frase que melhor captasse isso, uma frase delicada, comunicação flatulenta talvez fosse o termo apropriado. Eles [os arenques] vivem em cardumes enormes e emitem gases do ânus em grande número, o que emite um som. E eles parecem usar isso como um dispositivo de comunicação – talvez para sinalizar aos outros que é hora de subir ou descer da coluna de água, por ser aquela altura do dia em que os predadores aparecem mais.
Sobre o comércio de peixes e a popularidade do cirurgião-patela, o peixe apresentado em Finding Dory
Alguns dos métodos de captura [destes peixes] são hediondos: envenenamento por cianeto, que mata muitos dos peixes visados, bem como aqueles que não são alvo, além de ocasionalmente serem utilizados dispositivos explosivos. E depois temos as vicissitudes do transporte, onde são levados através dos continentes e a taxa de mortalidade é bastante elevada.
A Dory [do filme da Pixar] é um cirurgião-patela: como o filme vai chamar muita atenção para esta esta espécie, é certo que a mesma será popular no comércio de peixes [para aquários]. Infelizmente, os cirurgiões-patela, ao serem capturados na natureza, estão sujeitos a alguns males dessa indústria. Precisamente por isso, estamos a fazer uma campanha activa na tentativa de desencorajar as pessoas de comprarem esses peixes: quando compras um produto estás a dizer ao fabricante para continuar a vendê-lo e nós não queremos que isso aconteça. ■
Imagens: Pexels e Google
Jonathan Balcombe | NPR • Junho de 2016
Quando pensamos em peixe, provavelmente é na hora do jantar. Já Jonathan Balcombe, por outro lado, dedica-se a investigar sobre a vida emocional dos peixes. Balcombe, que actua como director da [revista] Animal Sentience da Humane Society Institute for Science and Policy, declarou a Terry Gross, da Fresh Air, que os humanos estão mais perto do que nunca de entender os peixes. “Graças aos avanços na etologia, sociobiologia, neurobiologia e ecologia, podemos agora compreender melhor como é o mundo para os peixes”, diz Balcombe.
No seu novo livro, What A Fish Knows: The Inner Lives Of Our Underwater Cousins, Balcombe apresenta evidências de que os peixes têm uma consciência — ou “senciência” — que lhes permite sentir dor, reconhecer humanos individuais e ter memória. Ele argumenta que os humanos deviam avaliar as implicações morais em relação a como capturamos e exploramos os peixes. “Nós matamos entre 150 milhões e mais de 2 biliões de peixes por ano – e a forma como morrem (na pesca comercial) é, de facto, bastante sombria”, alerta. “São inúmeras as mudanças que se fazem necessárias para se reflectir numa melhoria na nossa relação com os peixes”.
Destaques da entrevista
Sobre como podemos saber se os peixes estão a sentir dor
O estudo mais primoroso sobre a dor em peixes que já vi foi feito há alguns anos por uma bióloga chamada Lynne Sneddon, no Reino Unido. Ela recorreu a peixes-zebra, que são comumente usados em pesquisas. E o que eles [grupo de estudo] fizeram foi colocar um cardume de peixes-zebra — não me lembro de quantos, talvez uns trinta — num tanque complexo que tinha dois espaços. Um dos espaços estava ornamentado, com pedras e vegetação: já o outro era árido. Provavelmente já adivinhaste em qual espaço os peixes passaram todo o tempo – no ornamentado. Os peixes apreciam lugares para se esconder e também de um ambiente estimulador.
Depois, injectaram nos peixes uma de duas substâncias. Uma delas foi uma solução ácida, conhecida por ser cáustica e presumivelmente dolorosa para os peixes, caso eles sintam dor. A outra, administrada em metade dos peixes, que foram seleccionados aleatoriamente, era soro fisiológico. Os peixes foram observados, para ver como se comportavam, e todos continuaram a nadar na parte do tanque mais ornamentado. Então, foi dissolvida uma solução analgésica no espaço vazio – e eis que alguns peixes começaram a migrar e a nadar para ficar naquela área totalmente indesejável, tendo sido apenas aqueles que foram injectados com o ácido e não os que foram injectados com a solução salina. Penso que seja uma demonstração bastante convincente da dor nos peixes.

A senciência é como a gravidez: estás grávida ou não; és senciente ou não. E se um animal é senciente, o que é indicador de algum tipo de consciência, com particularidade na capacidade de sentir dor e, ainda diria, por extensão, de sentir prazer, então, para mim, isso figura que o animal tem tracção moral, ou deveria ter tracção moral – grosso modo, que o animal merece a consideração dos outros. Porque aquele animal pode ter um dia bom e um dia ruim e podem acontecer coisas boas ou ruins com ele. E isso, como eu disse, é a base da ética.
Sobre alguns peixes de recife que parecem reconhecer mergulhadores individuais
Houve um novo estudo que mostrou o reconhecimento individual de rostos humanos por peixes; sendo assim, é altamente provável que reconheçam mergulhadores individuais. Eles aparecem [para os mergulhadores] para serem acariciados; quase parecem cães. Não sei se eles rolam para que a barriga seja acariciada, embora alguns tubarões entrem num aparente estado de euforia quando têm a barriga esfregada.
Sobre com os peixes usam uma “linha lateral” para sentir a pressão da água e navegar à noite
[Os peixes] têm alguns outros sentidos muito interessantes e que valem a pena mencionar. Um deles é a sensação de pressão ou movimento da água graças a uma linha lateral. Estamos agora a falar de peixes ósseos, não de tubarões ou raias; são os peixes ósseos que possuem essa linha. Podemos notar uma fileira escura de escamas ao longo da linha central de um peixe ósseo, e essa é, na verdade, uma sombra projectada por essas escamas específicas. Há uma depressão em cada uma dessas escamas, e nessa depressão existem pequenas câmaras em forma de copo, que contêm gel e pequenos pêlos que projectam e detectam mudanças de pressão. É muito útil para navegar à noite, para evitar coisas perigosas em condições de visão limitada, entre outras situações do género.
Sobre os sentidos eléctricos que alguns peixes possuem
Alguns peixes, incluindo tubarões e acho que também as raias, são electrorreceptivos, ou seja, podem detectar sinais eléctricos de outros organismos. Também há peixes electroprodutores: os peixes-faca da América do Sul e os peixes-elefante são ambos produtores de electricidade. São providos de EODs, que são descargas eléctricas de órgãos, e usam-nos como sinais de comunicação – e o modo como o fazem é impressionante: por exemplo, eles mudam a própria frequência se nadarem perto de outro peixe com frequência semelhante, para não se atrapalharem e se confundirem. Eles também mostram deferência desligando os seus EODs quando passam por um detentor de território – até porque não é boa ideia irritá-lo, pelo que provavelmente é melhor ficar “em silêncio” durante esse momento.
As percepções e habilidades sensoriais dos peixes são fruto de mais de 400 milhões de anos de evolução, pelo que não é propriamente surpreendente que eles tenham formas fascinantes de sentir os seus ambientes.

Há um exemplo realmente curioso que envolve arenques e que não resisto em citar. Acho que se inventasses uma frase que melhor captasse isso, uma frase delicada, comunicação flatulenta talvez fosse o termo apropriado. Eles [os arenques] vivem em cardumes enormes e emitem gases do ânus em grande número, o que emite um som. E eles parecem usar isso como um dispositivo de comunicação – talvez para sinalizar aos outros que é hora de subir ou descer da coluna de água, por ser aquela altura do dia em que os predadores aparecem mais.
Sobre o comércio de peixes e a popularidade do cirurgião-patela, o peixe apresentado em Finding Dory
Alguns dos métodos de captura [destes peixes] são hediondos: envenenamento por cianeto, que mata muitos dos peixes visados, bem como aqueles que não são alvo, além de ocasionalmente serem utilizados dispositivos explosivos. E depois temos as vicissitudes do transporte, onde são levados através dos continentes e a taxa de mortalidade é bastante elevada.
A Dory [do filme da Pixar] é um cirurgião-patela: como o filme vai chamar muita atenção para esta esta espécie, é certo que a mesma será popular no comércio de peixes [para aquários]. Infelizmente, os cirurgiões-patela, ao serem capturados na natureza, estão sujeitos a alguns males dessa indústria. Precisamente por isso, estamos a fazer uma campanha activa na tentativa de desencorajar as pessoas de comprarem esses peixes: quando compras um produto estás a dizer ao fabricante para continuar a vendê-lo e nós não queremos que isso aconteça. ■
Imagens: Pexels e Google
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Quando idealizei o blogue, há uns bons anos, a intenção primeira era partilhar textos de cariz mais teórico sobre direitos dos animais. Sempre senti que esta esfera é bastante esquecida e que merece ser um pouco mais trabalhada por, a meu ver, ser onde começa toda a acção de sensibilização e informação – e, além disso, enriquece e fortalece bastante a componente prática da causa em questão.
Involuntariamente desviei-me do principal objectivo do blogue pelo que, depois de algum descanso mental e reajustamento de prioridades, decidi criar os Rascunhos Antiespecistas, uma rubrica especialmente dedicada a conteúdo teórico sobre tudo o que esteja ligado a ética animal. Nela encontrarão:
– Textos filosóficos sobre ética animal;
– Traduções de artigos científicos sobre senciência e emoções nos animais;
– Artigos sobre antiespecismo interseccional.
Para terem uma ideia do tipo de textos que irão compor esta rubrica, espreitem:
Além desta rubrica, irei passar a apresentar documentários e livros sobre direitos dos animais, com o intuito de enriquecer ainda mais toda esta temática.
Não basta querer combater o especismo: é vital desconstruí-lo e isso envolve mergulhar em mares revoltos e desconfortáveis, mas que ajudam a despertar a nossa consciência para a relação que estabelecemos com os animais – e como a mesma é terrivelmente injusta, cruel e alimenta outras tantas opressões sociais. Com esta rubrica pretendo, além de regressar ao estilo de escrita que mais gosto, convidar, a quem tiver interesse, a uma reflexão mais profunda sobre a luta antiespecista e tudo o que a ela está interligado. Tenho vários assuntos que desejo desenvolver mas que necessitam de ser estudados com calma, o que tornará o desenrolar desta rubrica demorado – todavia, com o coração tranquilo, valerá muito mais a pena ♥
imagem: @call.me.cliff
Não basta querer combater o especismo: é vital desconstruí-lo e isso envolve mergulhar em mares revoltos e desconfortáveis, mas que ajudam a despertar a nossa consciência para a relação que estabelecemos com os animais – e como a mesma é terrivelmente injusta, cruel e alimenta outras tantas opressões sociais. Com esta rubrica pretendo, além de regressar ao estilo de escrita que mais gosto, convidar, a quem tiver interesse, a uma reflexão mais profunda sobre a luta antiespecista e tudo o que a ela está interligado. Tenho vários assuntos que desejo desenvolver mas que necessitam de ser estudados com calma, o que tornará o desenrolar desta rubrica demorado – todavia, com o coração tranquilo, valerá muito mais a pena ♥
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