09/12/2021

Ser vegetariana é caro?


Muitas pessoas acusam a alimentação vegetal de ser bastante dispendiosa, o que não a torna acessível para todos e, consequentemente, elitista. Esse pensamento formou o estereótipo do veganismo ser coisa de brancos ricos e que só é praticável para a camada social privilegiada, deixando as mais humildes de fora. Cada vez mais se fala disso como um facto indestrutível, mas será mesmo verdade?

Se encararmos somente os produtos vegetais industrializados, acabando por esquecer os alimentos básicos, é óbvio que a alimentação vegetariana ficará cara. Cada vez mais opções desse estilo estão a surgir no mercado, desde hambúrgueres, queijos, enchidos, refeições prontas, doces, entre outras: todo esse nicho é dispendioso, mas é perfeitamente dispensável (além de que muitos desses ultraprocessados pertencem a empresas pecuárias que lucram por cima da exploração animal: estarão essas comidas a libertar realmente os animais?).
Podemos comer muito bem, tanto a nível de nutrição como de sabor, sem comprarmos esses produtos. Quem come corpos de animais também não consome substâncias animais de luxo todos os dias, pelo que também não temos razões para despendermos e dependermos de produtos vegetais deste género. Comprá-los ocasionalmente (dando preferência a marcas mais pequenas, pela razão já supracitada) é mais do que suficiente e não provoca um rombo no nosso orçamento.

Os bens alimentares essenciais, onde estão incluídos os vegetais, legumes, leguminosas, frutas, grãos, cereais e sementes, são baratos, fáceis de encontrar e qualquer pessoa pode adquiri-los. Pegando nos preços praticados pelo Auchan, o grão-de-bico, por exemplo, é mais barato do que retalhos de animais: enquanto 1kg do primeiro custa 1,02€, 1kg de costeletas de porco custa, em média, 4,39€. Já 1kg de bifes de frango custa 7,89€.
Dos alimentos vegetais com elevado teor de proteína (leguminosas, tofu, etc.), somente o seitan apresentou um valor semelhante aos preços estipulados para os corpos de animais. No entanto, é um ingrediente que acaba por se tornar económico quando produzido em casa, além de ser dispensável.

Alguns alimentos vegetais mais incomuns, como certas sementes e superalimentos, são mais caros mas acabam por compensar devido ao valor nutricional riquíssimo. 1kg de sementes de chia custa 6,60€ (são vendidas em pacotes de 150g por 0,99€), mas basta uma colher de sopa para perfazer todas as proteínas presentes numa costeleta de porco e isto sem contar com os seus elevados níveis de ómega 3, potássio, fibras e magnésio.

Os preços das outras leguminosas por quilo, praticados pelo Auchan, são:

Lentilhas vermelhas: 2,98€
Lentilhas castanhas: 1,90€
Lentilhas verdes: 2,48€
Feijão encarnado: 1,09€
Feijão branco: 1,02€
Feijão frade: 1,02€
Feijão preto: 1,36€
Tremoços: 2,59€

Preços de alguns cortes de corpos de animais por quilo:

Entrecosto de porco: 4,79€
Entremeada de porco: 3,89€
Costeleta de vitela: 6,99€
Bife de vitela: 5,99€ (dianteiro) e 6,79€ (traseiro)
Peito de peru: 4,79€
Perna de frango: 4,79€
Sardinha: 6,99€
Salmão: 10,99€
Bacalhau: 7,99€

Para não fazer exemplificações e explicações exaustivas, deixo aqui um vídeo feito pelo Luís Miguel, no qual ele desmitifica de uma maneira muito divertida a ideia enraizada sobre a alimentação totalmente vegetal ser onerosa. Ele fez uma relação preço-nutrição, comprovando como podemos comer bem gastando 3€ por dia. Vejam até ao fim, é bastante informativo.


Dicas de como poupar numa alimentação vegetariana:

• Sempre que possível, preferir comprar os alimentos nos mercados locais em vez nas grandes superfícies;
• Comprar avulso e de acordo com a sazonalidade;
• Planear refeições, fazer uma lista e comprar somente o necessário;
• Calcular as porções recomendadas para uma refeição (almoço e jantar): ¼ de leguminosas, ¼ de cereais ou tubérculos, ½ de hortícolas, 1 sopa e 1 peça de fruta;
• Congelar vegetais;
• Preferir fazer as alternativas vegetais em casa, como hambúrgueres, queijos e leites;
• Reaproveitar as sobras;
• Ter uma boa relação com a comida e priorizar alimentos naturais em detrimento dos empacotados e processados;
• Preferir refeições caseiras no lugar de comida pré-preparada;
• Ter um jardim de plantas aromáticas;
• Procurar por receitas criativas e saborosas e experimentá-las.

Trocas simples:

Leite de vaca -> Leite de amêndoa, soja, coco, aveia, quinoa, banana, arroz, etc.
Mel -> Geleia de agave, de arroz, de milho, xarope de ácer, etc.
Carne picada -> Cogumelos, lentilhas
Queijo parmesão -> Levedura nutricional
Natas -> Natas de soja, arroz, milho, leite de coco (lata)
Maionese -> Abacate
Manteiga -> Azeite, abacate
Porco -> Jaca

Outros materiais:

• 10 receitas de hambúrgueres, queijos e bolos sem ingredientes de origem animal
• 10 maneiras de usar tofu e como fazer tofu em casa
• E-book de culinária vegetariana, com receita de maionese rápida, leites vegetais caseiros e muito mais
• E-book com 40 receitas veganas


O verdadeiro preço da carne

Antigamente, somente as camadas sociais mais privilegiadas é que comiam carne regularmente. As famílias mais pobres sobreviviam com alimentos primordialmente vegetais, consumido carne somente em ocasiões especiais e festivas. A carne e outros produtos de origem animal eram caros e considerados opulentos, pelo que não estavam ao alcance de todos. Ainda hoje encontramos implicitamente essa ideia na alta gastronomia, cujos pratos mais famosos são principalmente constituídos por ingredientes animais, como o foie gras, caviar beluga e carne de Kobe.

É um facto que os animais usados para consumo são tratados como meras coisas há muitíssimo tempo, mas foi durante a Segunda Revolução Industrial que tudo mudou e fez com que os produtos deles provenientes passassem a ser mais alcancáveis: juntamente com o consumismo a cativar o público, a exploração e consumo de animais intensificaram-se e acabaram por se enraizar no âmago social como necessários.

Foi no início do século XX que os animais passaram a viver em regime de confinamento intensivo, sendo também a primeira vez que foram submetidos a diversos tipos de experiência que visavam o aumento do lucro da indústria. Peter Singer partilha alguns exemplos no seu livro Libertação Animal, no qual aborda o especismo e os direitos dos animais do ponto de vista filosófico e moral. Da página 92 até à 95, explica que a galinha foi o primeiro animal a ser vítima da indústria intensiva. De ave de quinta a objecto manufacturado, o primeiro passo para a sua comoditização foram os espaços fechados. Foi a primeira experiência que, posteriormente, foi imitada e adoptada pelas restantes repartições de exploração animal para consumo alimentar. Basicamente, armazenam-se animais em área restrita e com ambiente totalmente manipulado, de modo a que cresçam mais rapidamente e com menos alimento. Menos tempo, menos custos, mais lucro o que também explica o porquê dos animais serem mortos com poucas semanas ou meses de vida. A maior parte dos animais que comemos são bebés e juvenis, incluindo as vacas leiteiras que podem viver até 20 anos mas têm a esperança média de vida encurtada para 4 ou 5 anos.


Produto descartável: mal nascem, milhões de pintainhos são considerados inúteis e mortos. Na indústria dos ovos e da carne, os pintainhos mais débeis ou que parecem estar doentes são amontoados em sacos de plástico e sufocados ou colocados em câmaras de gás. Ainda na indústria de ovos, os machos são triturados vivos. Em muitas indústrias avícolas, os animais têm os seus pescoços torcidos ou as cabeças esmagadas. No Reino Unido, o último método é aprovado pela RSPCA, considerada a entidade mais importante pelo bem-estar animal do país.
Fotografia: Jo-Anne McArthur, We Animals. Fazenda de carne de aves orgânica e free range, Espanha. 2010.

Para além da circunscrição em espaços mínimos, manipulação genética e ambiente artificial, a indústria encontrou outras formas de promover o lucro. Ainda no caso dos frangos, um método que rapidamente se padronizou foi o debeaking, que consiste em debicar as aves com uma lâmina quente em formato de guilhotina. Este acto terrível e doloroso, que surgiu nos anos 40, é totalmente legal, integrado no cumprimento do bem-estar animal em muitos países e tem como objectivo evitar que as aves se ataquem e destruam os ovos. Tudo em nome do lucro, porque ave ferida é lixo aos olhos desta indústria.

Podemos facilmente concluir que toda esta disponibilização de produtos de origem animal é recente e que os preços desses mesmos produtos são acessíveis pela pura mecanização dos animais. O boom da fast food, a partir de 1960 e 1970, é um reflexo disso: com a criação intensiva de animais, a demanda pelos produtos de origem animal aumentou e esse estilo de restauração viu nisso uma oportunidade de ouro. O consumo desenfreado desse tipo de comida fez com que o regime de confinamento dos animais fosse ainda mais rigoroso, envolvendo muito mais sofrimento e privação.

Não há nada de natural neste processo e, muito menos, essencial para vivermos bem. Se adicionarmos o custo dos recursos utilizados, bem como o impacto do consumo de produtos de origem animal, compreenderemos que os preços praticados não são de todo transparentes:

Água A indústria pecuária é que mais utiliza água doce em todo o mundo, atingindo uns impressionantes 70%.

Território Para satisfazer as necessidades alimentares dos animais em criação intensiva, enormes áreas de floresta são deitadas abaixo. Só na Amazónia, 70 a 80% do seu desmatamento é causado pela agropecuária. Em territórios mais secos, 70% das paisagens estão degradadas pela mesma razão.

Alimentos Para produzir 10kg de carne bovina, são utilizados quase 400kg de grãos.

Erosão do solo  A pecuária intensificou este processo, o que leva a solos degradados mais depressa do que o habitual. Actualmente, a terra está a perder solo 10 a 40 vezes mais rápido, impossibilitando assim a sua recuperação natural.

Poluição A pecuária polui mais do que todas as outras fábricas e transportes juntos, sendo responsável por 51% das emissões de gases que provocam o efeito de estufa. O impacto ambiental causado por esta indústria é tão forte que, se todos os americanos deixassem de consumir produtos de origem animal durante sete dias, evitar-se-ia a emissão de 700 milhões de toneladas de gases de efeito de estufa  o equivalente a retirar todos os carros dos E.U.A. de circulação. Por um único dia, seria o equivalente a economizar 90 milhões de passagens de avião de Nova Iorque a Los Angeles.

Saúde — Em 2015, a OMS foi notícia por classificar as carnes vermelhas como cancerígenas. Esse alerta não é propriamente novo, mas é continuamente invisibilizado pelas nossas conveniências alimentares. Na verdade, existem milhares de estudos médico-científicos que correlacionam o consumo de carne e outros produtos de origem animal com diversos problemas de saúde, mesmo quando o consumo é moderado. Complicações como a diabetes, doenças cardiovasculares, colesterol elevado, hipertensão, letargia, obesidade, fraca flora intestinal e diversos tipos de cancro estão fortemente associadas a uma alimentação com ingredientes de origem animal. Nem o mel escapa: para além de ter os mesmos efeitos que o açúcar nos níveis de glucose no sangue, possui uma bactéria denominada Clostridium, que pode causar botulismo nas crianças.

Enquanto isso:

Água 1 em 9 pessoas não tem acesso a água potável. No total, são 844 milhões de pessoas sem água apropriada para consumo, 2.3 biliões de pessoas que não têm uma casa-de-banho decente e 31% das escolas no mundo não têm água. Milhares de pessoas nestas condições, principalmente mulheres e crianças, têm de percorrer imensos quilómetros, em estradas perigosas, para conseguirem alguma água, muitas vezes insalubre.

Território Para além das consequências negativas para o ambiente, a desflorestação destrói incontáveis espécies de flora, bem como o habitat natural de inúmeras espécies de fauna selvagem. Em países como o Brasil, os indígenas são expulsos das terras, perseguidos e assassinados para os fazendeiros e madeireiros poderem expandir os seus negócios.

Desflorestação da floresta amazónica no Brasil: ultrapassando as consequências do comércio ilegal da madeira está o negócio pecuário legal e ilegal. Cerca de 70% da área anteriormente coberta por floresta e 91% da área desmatada desde 1970 é usada para criação de gado.
Fotografia: Felipe Werneck, Maranhão. 2016.

Alimentos Vários estudos científicos já comprovaram e confirmaram que a alimentação vegetariana é a solução mais eficaz para combater a fome mundial. Só nos E.U.A., substituir produtos de origem animal por dieta totalmente vegetal alimentaria mais 350 milhões de pessoas (sendo que há 40 milhões de pessoas nos Estados Unidos em situação de fome, ou seja, sobraria mais do que o suficiente para alimentar pessoas além-fronteiras).

Erosão do solo Cultivar alimentos vegetais para consumo humano directo poupa muito mais a terra do que cultivar grãos e cereais utilizados para alimentar animais. Um estudo recente comparou a produção de carne de vaca com uma mistura de 5 plantações diferentes com um valor nutricional semelhante e os resultados foram chocantes: a mesma área usada para produzir 100 gramas de proteína das plantações vegetais só consegue proporcionar 4 gramas de proteína de carne de vaca. Em suma, a utilização de terrenos agrícolas para produzir carne de vaca em vez da mistura de vegetais resulta num desperdício de 96%.

Poluição Um único hambúrguer produz 2kg de dióxido de carbono. Nos Estados Unidos, o gado produz 130 vezes mais lixo do que a população humana. Contrastando com as emissões de gases provocadas pela exploração de animais para consumo, produzir vegetais polui muitíssimo menos. 
As árvores, essenciais para reduzir a presença de dióxido de carbono na atmosfera, são na sua maioria dizimadas para o consumo de carne ser satisfeito. Enquanto não usar papel durante um ano salva 8,5 árvores, não comer carne no mesmo espaço de tempo salva 3,432 árvores.

Saúde  Assim como há estudos que comprovam os malefícios dos produtos de origem animal, outros apontam para as inúmeras vantagens de uma alimentação vegetal. A chave está no equilíbrio e em preferir alimentos naturais e integrais. A Natureza é-nos generosa nesse sentido, pelo que lutar contra os diversos problemas de saúde que nos assolam está nas nossas mãos. A título de exemplo, uma dieta vegetariana reduz o risco de cancro da mama em 11% nas mulheres; para os doentes com dor neuropática diabética, reduz drasticamente os sintomas e melhora a qualidade de vida; para quem tem diabetes tipo 2, ajuda a controlar e até mesmo a regredir a doença; e por aí vai. De facto, o factor que mais influencia o nosso estado de saúde  chegando mesmo a ultrapassar a genética  é a alimentação. Operar mudanças e deixar os animais e respectivos sub-produtos fora do prato não só é benéfico para eles e para o ambiente como também é para nós.

Fazendo bem as contas, o que é realmente caro?

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Recursos utilizados:

SINGER, Peter. Libertação Animal. 2ª edição, Maio de 2008. Via Óptima, Oficina Editorial

Alon Shepon, Elad Noor, Gidon Eshel e Ron Milo  The opportunity cost of animal based diets exceeds all food losses. Weizmann Institute of Science, publ. em PNAS.

Connect4Climate  The True Environmental Cost of Eating Meat

Damian Carrington — Giving up meat is better for the environment than giving up your car, says new study

David Arioch  Animais criados para consumo começaram a ser confinados durante a Segunda Revolução Industrial

Márcia Gonçalves  Como poupar numa alimentação vegetariana

NHS (Serviço Nacional de Saúde do Reino Unido)  Botulism

Oriana Almeida, Saulo Ávila, Sérgio Rivero e Wesley Oliveira  Pecuária e desmatamento: uma análise das principais causas diretas do desmatamento na Amazônia. Nova econ. vol.19 no.1 Belo Horizonte Jan./Apr. 2009

Sandra Silva  Refeição Vegetariana

Sérgio Margulis — Causes of Deforestation of the Brazilian Amazon

Superinteressante, Redacção Planeta Sustentável  Me vê 16 mil litros de água!

Um Activismo Por Dia — Trocas fáceis veganas

UNESCO (2010). Water Footprint Animal Products, pag. 29

UNESCO (2010). Water Footprint Crops, pag. 17

WaterAid  Clean water, decent toilets and good hygiene are vital for living a dignified, healthy life

Worldwatch Institute — Is Meat Sustainable? Publ. em World Watch Magazine, July/August 2004, Volume 17, No. 4

Como a redução da carne contribui para a redução das emissões de carbono? Estudo da Vrije Universiteit Amsterdam (Universidade Livre de Amesterdão) e da Nicolaas G. Pierson Foundation, cit. em Meat The Truth a partir do min. 59:22.