09/04/2024

“A alimentação vegetariana não é saudável”


Quando parei de comer animais aconteceu um fenómeno para lá de espectacular: de repente, quase toda a gente virou nutricionista do dia para a noite. O mais engraçado é que antes, quando tinha quebras de tensão e gripe com frequência, ninguém me dizia nada porque eu comia carne. Agora, que já não sei mais o que é ter quebras de tensão e muito raramente me constipo, todos têm alguma coisa a dizer relativamente à minha alimentação e como estou a fazer tanto mal à minha saúde.

Ouvi tantas vezes que a alimentação vegetariana não é saudável que já perdi a conta: aqui, exponho as inferências que consegui lembrar. Todas as respostas têm como base estudos credenciados e o conhecimento de nutricionistas e médicos.

Fazer uma dieta à base de arroz, massa, batata e frutas não é saudável porque tem hidratos de carbono em excesso e carência de proteínas.

Uma alimentação totalmente vegetal é completa, variada e não se resume a arroz, massa, batata e frutas. Para além dos legumes e vegetais, uma dieta sem quaisquer derivados de animais tem variedades proteicas de qualidade superior à carne, como os grãos, as leguminosas e os cereais. Contrariamente aos produtos proteicos de origem animal, as proteínas de origem vegetal são livres de mau colesterol e, por isso, muito mais saudáveis. Também está comprovado que há excesso de proteínas numa alimentação à base de carne, peixe e lacticínios, o que é prejudicial para a saúde. Quanto ao excesso de hidratos de carbono, tal pode suceder em qualquer tipo de alimentação. A chave para que isso seja evitado é sabermos nos educar em relação ao que comemos: deste modo, não excedemos seja no que for como também não careceremos de nutrientes.

A carne é o único alimento que tem todos os aminoácidos essenciais.

Isso é falso: há fontes vegetais que têm todos os aminoácidos essenciais, como a quinoa. Seja como for, os aminoácidos essenciais devem ser obtidos através de uma alimentação variada e não pelo consumo excessivo de um único alimento, como o caso da carne. Consumir frutos secos, leguminosas e cereais complementam uma boa alimentação e também oferecem os aminoácidos que tanto precisamos.

Adoeceste porque és vegetariano/a.

Estudos científicos mostram que os vegetarianos tendem a adoptar uma alimentação mais saudável do que os omnívoros, mas isso não significa que uma pessoa vegetariana torne-se invulnerável a doenças. A saúde decorre de uma composição bastante ampla de factores, sendo a alimentação apenas um deles. Além disso, nem todas as doenças se desenvolvem devido a uma má alimentação. (1)

Há cada vez mais pesquisas médicas e científicas que comprovam os benefícios de uma dieta totalmente vegetal para a nossa saúde, em contraste com o consumo de produtos de origem animal. De facto, os alimentos provenientes de animais são frequentemente apontados como causadores de problemas comuns (como colesterol elevado) e associados ao aumento do risco de desenvolvimento de doenças mais graves (como diabetes).

No entanto, deixar de consumir produtos de origem animal não nos dá luz verde para comer arbitrariamente o que nos der na telha. Tudo o que é saudável é vegetal, mas nem tudo o que é vegetal é saudável. Os próprios médicos e nutricionistas veganos recomendam uma alimentação equilibrada e variada, bem como o consumo muito moderado a raro (se possível, inexistente) de alimentos vegetais processados, refinados e cozinhados de determinada forma (fritos, por exemplo).

Proteína animal excessiva faz tanto mal como fumar
Carne, lacticínios e problemas cardiovasculares
Alimentação vegetariana previne doenças cardíacas mais eficazmente do que suplementos
Dieta vegetariana melhora a saúde dos doentes com diabetes tipo 2
Dieta vegetariana melhora a dor da neuropatia diabética
Dieta vegetariana pode prevenir o aparecimento de diabetes
Consumo de carne e risco de cancro
Lacticínios e cancro da mama, do pulmão e dos ovários
Risco de endometriose decresce em mulheres que evitam o consumo de carne vermelha
Lacticínios e cancro da próstata
Dieta vegetal saudável reduz o risco de morte por doença cardiovascular
OMS alerta que carne vermelha é potencialmente cancerígena
Alimentação vegetariana pode reduzir a pressão arterial para níveis normais em apenas 2 semanas
Consumo de carnes e peixes curados aumenta o risco de leucemia para 74% em crianças
Deixar de consumir carne pode ajudar a reduzir o risco de cancro em 40%
Como uma dieta vegetariana pode ajudar a reduzir o risco de demência?
Alimentação vegetariana e fibromialgia
Alimentação vegetariana e Doença de Alzheimer

Vais ter anemia.

Muitas pessoas acreditam que o ferro heme, apenas presente nos alimentos de origem animal, é melhor do que o ferro não-heme por ter um maior nível de absorção. No entanto, as nossas necessidades de ferro são perfeitamente atingidas a partir de uma alimentação exclusivamente vegetal sem precisarmos de recorrer a suplementos e a alimentos fortificados:

• Existem muitas fontes vegetais ricas em ferro, desde leguminosas (feijão, lentilhas, grão), tofu, melaço, frutas secas e vegetais verde escuros;

Para uma melhor absorção do ferro, deve-se também ingerir alimentos ricos em vitamina C, como citrinos, morangos, melão, alho, framboesa, maracujá, espinafres, entre outros. É aconselhado consumir os alimentos ricos em ferro numa refeição que integre também os que são ricos em vitamina C;

O chá e o café afectam a absorção do ferro, pelo que não devem ser consumidos durante ou após as refeições.

Crianças e adolescentes não podem ser vegetarianos.

Inúmeras entidades de saúde e nutrição não concordam com o supracitado, afirmando que uma alimentação sem derivados animais é perfeitamente segura para a faixa etária mais jovem. A Direcção-Geral de Saúde, por exemplo, publicou um guia no qual é abordada a alimentação vegetariana para crianças e adolescentes e no qual reitera que esta não acarreta quaisquer riscos desde que seja equilibrada e variada algo que está longe de ser problemático, visto o universo vegetal ser abundante.

Outros materiais que podem interessar:

Comendo Bem: Bebés e Crianças Veganas até aos 5 anos First Steps Nutrition Trust, trad. Vegana é a sua Mãe

Gravidez Vegana e Criar Pequenos Veganos Informações baseadas em estudos científicos e médicos, com planeamentos de refeições e que abrangem a gravidez, infância e adolescência

Cozinha Vegetariana para Bebés e Crianças Gabriela Oliveira. Livro de receitas com informações e tabelas nutricionais detalhadas

Cozinha Vegana para Bebés, Crianças e Famílias Saudáveis Maria de Oliveira Dias. Livro de receitas e que inclui outras dicas práticas

Grávidas e mulheres que amamentam não podem ser vegetarianas.

A resposta sobre as crianças e adolescentes também se aplica neste caso. Gestantes e mães que estão a amamentar podem ter uma alimentação totalmente vegetal sem se preocuparem com carências nutricionais. A chave está no correcto balanceamento das refeições e na suplementação, sendo esta última indicada independentemente do tipo de dieta.

Maternidade Vegana Com...  Rubrica com testemunhos pessoais de mães veganas

Se fizeres desporto cais logo para o lado.

De acordo com a Organização Mundial de Saúde, um adulto precisa de ingerir um grama de proteína por quilo de peso corporal. Ganhar massa muscular exige um maior consumo de proteínas, tendo em conta que os treinos rompem os músculos e que estes, ao serem reconstruídos, serão reforçados e ganharão mais volume caso houver aminoácidos suficientes no corpo. Para o fornecimento desses aminoácidos é, precisamente, necessário ingerir uma maior quantidade de proteínas.

Uma alimentação sem quaisquer produtos de origem animal confere a proteína necessária para a prática de exercício físico sem riscos para a saúde. Algumas fontes vegetais ricas em proteínas são estas:

Leguminosas Feijão, grão, lentilhas, tremoços, ervilhas, favas, soja, amendoins, etc.
Cereais integrais Arroz, trigo, aveia, millet, etc.
Frutos gordos Nozes, amêndoas, cajus, avelãs, etc.
Sementes Sésamo, girassol, abóbora, chia, linhaça, etc.
Pseudocereais Quinoa, amaranto, trigo sarraceno.
Outros Tofu, seitan, manteiga de amendoim, manteiga de amêndoa, etc.

Para além desses alimentos, existem suplementos proteicos sem ingredientes de origem animal, como a proteína isolada de soja, de arroz, de ervilha e de cânhamo. Também há creatina, glutamina e BCAA's vegetais.

A título de curiosidade, a proteína de cânhamo é considerada uma das mais completas e de mais fácil digestão em relação à carne, à soja e aos lacticínios: quando crua, tem enzimas vivas que ajudam a digerir a comida, a aumentar a energia e a dar suporte no sistema imunitário, levando ao melhor funcionamento do organismo. Pode ser consumida em pó e misturada em líquidos.

Cada atleta deve ter uma alimentação e suplementação que estejam de acordo com a sua idade, peso, altura, sexo, estilo de vida e necessidades (que dependem da intensidade do seu treino). Por isso, a orientação profissional é recomendada.

Pessoas com alergia a soja e a frutos secos não podem ter uma alimentação vegetariana.

As alergias alimentares mais comuns são de origem animal, com o leite, os ovos e os frutos do mar. Ainda assim, quase ninguém as problematiza e coloca barreiras alimentares por causa delas.

A soja não é um alimento essencial e podemos ter uma dieta vegetariana saudável sem consumi-la, até porque há uma grande variedade de fontes de proteína vegetal: feijões, lentilhas, grão-de-bico e tremoços são alguns exemplos. (2)

Com os frutos secos é basicamente a mesma coisa: no lugar deles podemos consumir sementes, como as de chia, girassol, linhaça, cânhamo e de abóbora. Ficam bem em sopas, saladas, batidos, em certos pequenos-almoços e pratos principais e estão carregadas de nutrientes como os ómegas 3 e 6, potássio, magnésio, ferro, entre outros.

A quantidade de alimentos de origem vegetal é enorme, pelo que o segredo para uma alimentação variada em casos de alergias é procurar e conhecê-los. Inovar na cozinha, pesquisando por receitas e criando outras, também é importante (até porque pessoas com alergias devem evitar comidas que possam conter ingredientes aos quais são alérgicas, pelo que preferir cozinhar as suas próprias refeições é mais seguro).

Como ter uma alimentação vegetal quando somos alérgicos a frutos secos
Como ter uma alimentação sem soja e sem glúten sem perder a sanidade mental
Planeamento de refeições isentas de frutos secos
Planeamento de refeições sem soja e frutos secos
Ser vegano com alergia a soja, amendoins ou frutos secos
The Nut-Free Vegan  Blogue de receitas veganas sem frutos secos
Receitas veganas sem soja [x] [x] [x] [x]

E os ómegas?

O ómega 3 está presente nos frutos secos, nas sementes de linhaça e nas sementes de chia: estas últimas têm mais ómega 3 numa colher de sopa do que uma posta inteira de salmão, atingindo 900% da dose diária recomendada com uns meros 100 gramas.




O ómega 6 existe na linhaça e em vários óleos vegetais, como o de semente de girassol, de milho, de soja e de cânhamo.
O ómega 9, também denominado de n-9 ou ácido oleico, diminui os níveis de colesterol enquanto substituto das gorduras saturadas e pode ser encontrado no azeite, óleo de colza, abacate e oleaginosas (castanhas, nozes, amêndoas).

E a vitamina D?

Contrariamente ao senso comum, os produtos de origem animal não são uma fonte suficiente de vitamina D. Como exemplo, o Dr. Michael F. Holick (3) refere que precisamos de cerca de 1000 a 2000 UI de vitamina D por dia: o ovo, que é considerado uma das melhores fontes de vitamina D, só tem 20 UI.
Não estando igualmente bem distribuída nos alimentos de origem vegetal, nutricionistas e médicos alertam para a exposição ao sol como factor essencial para uma boa obtenção deste nutriente, já que estimula o organismo a sintetizá-la. Sendo assim, apesar da alimentação ser pobre em vitamina D tal acaba por não ter importância prática quando há uma exposição solar adequada.

Os casos de deficiência de vitamina D são comuns, independentemente do tipo de alimentação. Portugal é o país mais soalheiro da Europa, com mais de 300 dias de sol por ano: contudo, um especialista em reumatologia alertou que os portugueses têm menores níveis de vitamina D do que os nórdicos.

O que se passa é que não apanhamos sol nas horas de maior calor, que são aquelas em que o sol é mais capaz de produzir a vitamina D, referiu o professor Pereira da Silva. Esta situação contrasta profundamente com o aviso das autoridades de saúde para que as pessoas evitem a exposição solar durante esse período de tempo, quando a mensagem deveria ser no sentido das pessoas terem cuidado com a exposição excessiva ao sol.

A dose necessária [de sol] para produzir a vitamina é muitíssimo inferior à dose necessária para causar uma queimadura ou para aumentar o risco de cancro da pele, sublinhou o médico.

Para que uma exposição solar ofereça a quantidade adequada de vitamina D, é necessário ter em conta estes factores:

A cor da pele influencia o tempo necessário de exposição. Para peles claras, uma exposição diária de 15 a 20 minutos é suficiente. Para peles mais escuras, recomenda-se 45 minutos até uma hora.

O protector solar bloqueia a produção de vitamina D: mesmo os protectores com FPS muito baixo conseguem bloquear 95% da produção da vitamina na pele. Precisamente por isso, e visto que a exposição ao sol deve ser directa, o horário mais indicado é depois das 10:00 da manhã e antes das 16:30 da tarde, evitando o período mais quente (das 12:00 às 15:00).

Caso não for possível fazer a exposição solar necessária, o recomendado é tomar um suplemento. Há alimentos vegetais fortificados com vitamina D, mas o conselho médico recai na importância da suplementação. Isso também é válido para os grupos que precisam de uma assimilação de nutrientes maior do que o normal, como os bebés, idosos e grávidas.

As vitaminas presentes nos alimentos fortificados e nos suplementos são a a D2 (ergocalciferol) e a D3 (colecalciferol). A vitamina D2 é de origem vegetal, enquanto a D3 é comummente de origem animal. No entanto, existem suplementos da vitamina D3 totalmente veganos.

E a B12?

Já escrevi várias vezes sobre a vitamina B12, mas como é uma das questões mais frequentes volto a fazê-lo.
A vitamina B12 é de origem bacteriana e produzida por microorganismos, pelo que afirmar que é exclusivamente de origem animal está errado: a presença de B12 nas carnes deve-se pelos animais ingerirem e absorverem essa vitamina. Não obstante, a deficiência da vitamina B12 pode atingir qualquer pessoa, pelo que a falta desta vitamina não é um problema exclusivo dos vegetarianos.

De acordo com vários médicos, nutricionistas e sites certificados de saúde, possuímos bactérias no intestino grosso que são capazes de produzir B12: o problema é absorvê-lo. O Dr. Douglas Graham (4) explica que a falta de glicoproteína dificulta a absorção de B12 e que isso acontece quando se consomem gorduras em excesso. As bactérias que temos no intestino e que produzem a B12, segundo o mesmo, necessitam de hidratos de carbono como combustível: portanto, é essencial uma boa dose de hidratos de carbono na nossa alimentação bem como cortar nas gorduras.

Para além da nossa colónia de bactérias feliz e saudável, a B12 pode ser conseguida através de alimentos vegetais enriquecidos, como determinados leites vegetais, iogurtes vegetais e levedura nutricional. Não obstante, antes de fazer qualquer tipo de suplementação, deve-se procurar aconselhamento nutricional personalizado.

Suplementar B12? Isso só comprova que a alimentação vegetariana não é natural.

Se suplementar não é natural, então praticar desporto, envelhecer, ser bebé e estar grávida não é natural também, porque nesses casos é necessário complementar a alimentação com algum suplemento. Ademais, muitas pessoas que comem animais também tomam suplementos, bem como há veganos que não suplementam.

Ao escolher usar alimentos enriquecidos ou suplementos de B12, os veganos estão a obter vitamina B12 da mesma fonte que todos os outros animais no planeta — microorganismos — sem causar sofrimento a nenhum ser senciente nem causar danos ambientais. (5) 

Na indústria pecuária (e até mesmo em quintas e fazendas rurais) é comum os animais serem alimentados com suplementos de B12 para que os seus níveis se mantenham elevados devido à pobreza nutricional dos alimentos que lhes são dados.



Pelos vistos faz mais sentido comprarmos nós próprios o suplemento do que dar o suplemento ao animal para depois o matar.

--------------------------------------------

Bibliografia e outras referências utilizadas

(1) SLYWITCH, Eric. Virei Vegetariano, e Agora?
2010, Editora Alaúde

(2) Malefícios da soja? – Muda o Mundo

(3) HOLICK, Michael F. The Vitamin D Solution: A 3-Step Strategy to Cure Our Most Common Health Problem
2010, Hudson Street Press

(4) GRAHAM, Douglas N. Die 80/10/10 High-Carb-Diät (The 80/10/10 Diet)
2015, Narayana Verlag GmbH, Unimedica

(5) O que Todos os Veganos Devem Saber Sobre a B12 – Jack Norris, dietista. trad. Muda o Mundo

J.C. Callaway. Hemp Seed as a nutritional resource: An overviewDepartment of Pharmaceutical Chemistry, University of Kuopio, Finland.
2004, Kluwer Academic Publishers

11 Proven Health Benefits of Quinoa – Kris Gunnars, pesquisador de nutrição e bacharel em Medicina

B12 e Ómega-3: Importantes na Dieta Vegana – George Guimarães, nutricionista

Como Evitar os Défices Nutricionais Numa Dieta de Base Vegetal – Sandra Gomes Silva, nutricionista

Health & Nutrition, The Physicians Committee for Responsible Medicine

Vitamina D: Uma Questão Natural – George Guimarães, nutricionista

Vitamina D – Charles Genehr, médico e mestre em Nutrição e Alimentos

Imagem 1 | Radio Canada
Imagem 2 | Insolente Veggie
Tabela 1 | iSaúde
Tabela 2 | NuSI