14/01/2019

Akashinga: As mulheres que lutam contra a caça furtiva em África

Fotografia: Adrian Steirn/Photographers Against Wildlife Crime/Wildscreen

São mães solo, esposas abandonadas, órfãs e vítimas de violência doméstica. Mulheres que sofreram abusos extremos e que encontraram protecção protegendo os animais. As Akashinga (Corajosas na língua shona) são um grupo de elite contra a caça furtiva no Zimbabwe. Nesta unidade conquistaram a tão desejada emancipação, continuamente rejeitada pelo forte sistema patriarcal. E, em pouco tempo, provaram estar ao mesmo nível dos homens, se não mesmo ultrapassando-os.

Este trabalho não é só para homens, mas para todo o mundo que é forte e está em forma, disse Vimbai Kumire, sargento das Akashinga, para uma reportagem do The Observer. Assim como a maioria das suas companheiras, Kumire é uma mãe solo de 32 anos e que teve a sua vida quase destruída pelo marido, que fugiu com uma mulher mais jovem quando ela estava grávida do segundo filho.

Damien Mander, o fundador e CEO da International Anti-Poaching Foundation (IAPF), corrobora com a afirmação de Kumire. Inicialmente, o projecto passava por contratar homens mas rapidamente entendeu que as mulheres eram o elo que faltava para o sucesso da conservação das áreas selvagens.

Antes, tínhamos de recrutar guardas florestais de todo o país para protegerem estas áreas, para que não fossem influenciados pelas pessoas com quem cresceram nas aldeias locais. Neste aspecto, as mulheres simplesmente parecem não ser corruptíveis.

Mander é um australiano especialista em conservação e serviu como franco-atirador e mergulhador no exército do seu país durante quase uma década. Sete anos antes das Akashinga, fez um curso de selecção para contratar 189 homens. No fim do primeiro dia, sobraram três. Com as mulheres, a história foi diferente.

Trinta e seis mulheres começaram o nosso treino, calcado no modelo das nossas forças especiais, e nós exigimos muito mais delas do que em qualquer treino com homens. No fim do terceiro dia com essas mulheres, só três tinham desistido. Eu nem conseguia acreditar” disse Mander.

As mulheres demonstraram uma certa dureza. Uma resiliência calma que ainda não compreendi e talvez algumas coisas na vida sejam deixadas sem explicação. O que eu sei é que é o trabalho, e essas mulheres, cuidadosamente seleccionadas e bem treinadas, têm o talento para mudar a face da conservação para sempre.


Petronella Chigumbura usou o seu primeiro salário para comprar uniformes para os seus filhos e pagar as suas mensalidades escolares. O modelo das Akashinga aborda a pobreza e o desenvolvimento ao nível do agregado familiar, garantindo que o investimento chegue directamente ao local onde é mais necessário. Pesquisas indicam que as mulheres da sociedade rural que têm um salário investem na família até três vezes mais do que os homens. Fotografia: Adrian Steirn

A força e perseverança das mulheres, bem como a postura bem menos influenciável face à corrupção, levaram Mander a desistir dos homens e a formar um esquadrão exclusivamente feminino. A criação deste grupo anti-caça não promove somente uma actividade de conservação das áreas selvagens: também cria empregos e faz com que a população local seja directamente beneficiada com a preservação da vida silvestre. Por outras palavras, as Akashinga são o primeiro grupo de tropas de protecção ambiental com atenção ao desenvolvimento comunitário.

Transformamos uma necessidade de segurança num programa comunitário, asseverou Mander. Em apenas cinco meses, este projecto piloto já está a colocar mais dinheiro por mês na comunidade local do que a caça por troféus rendia por ano.

É no Vale do Zambeze que as Akashinga actuam. Esta reserva, pintada com os mais variados tons da mãe Natureza, foi outrora uma área de caça. Os tempos mudam mas as mentalidades não, daí a necessidade da reserva ser continuamente protegida. De acordo com o biólogo Victor Muposhi, o vale inferior do Zambeze perdeu 11 mil elefantes nos últimos dez anos. No entanto, isso não lhe tirou a esperança de que estes e outros animais possam ser salvos: ele acredita que contratar e treinar mulheres das comunidades locais para patrulharem o vale é determinante para esta situação mudar. E um dos factores chave está no empoderamento, presente no coração deste programa anti-caça. A explicação é simples: o programa está a ajudar a transformar mães solo, antes desempregadas, em líderes comunitárias.

Vergadas à força, em nome de uma cultura machista, as mulheres encontraram nesta unidade uma forma de se libertarem das amarras que as torturaram por tanto tempo, mas sem nunca as conseguir quebrar. Primrose Mazliru, outra mãe que integra o grupo, é prova disso: o seu lábio superior cicatrizado conta uma triste história de violência doméstica, mas isso não lhe roubou o sorriso e, muito menos, o orgulho. Posso testemunhar o poder que este programa teve em mudar a minha vida; agora tenho o respeito da minha comunidade, mesmo sendo uma jovem mãe solteira, explicou. Parecendo que não, obter esse respeito é uma conquista gigantesca: em muitas comunidades as mães solo são cruelmente desprezadas, inclusive as que foram abusadas fisicamente e violentadas sexualmente. A visão de que todo o sofrimento da mulher é exclusivamente por sua culpa ainda está bastante enraizada, o que marginaliza inúmeras mulheres e impune os verdadeiros agressores.

Primrose Mazliru cuida do seu filho pequeno. O instinto protector das mulheres sustentou o sucesso das Akashinga. A aplicação da lei e a resolução de conflitos evoluíram um pouco por todo o mundo ao incluírem mulheres em papéis-chave. Em África e na conservação, porém, os homens ocupam a maioria das posições da linha da frente. Apesar das mulheres geralmente fazerem a maioria do trabalho manual e doméstico em África, os modelos ocidentais de conservação ignoraram a sua inclusão em escala. Fotografia: Adrian Steirn

Nyaradzo Hoto é mais uma mulher que viu uma oportunidade de mostrar o seu potencial ao tornar-se guarda florestal. O meu ex-marido costumava explorar-me. O casamento foi difícil porque via todos os meus sonhos e objectivos a serem destruídos. Só quero provar que nenhum trabalho é só para homens e espero já tê-lo mostrado.

A defesa dos animais também passa pela alimentação, que é exclusivamente vegetal. As Akashinga acreditam que todos os animais devem ser respeitados, pelo que se recusam a consumir os seus corpos e secreções, mostrando como a compaixão também é benéfica para a saúde. Não sinto a menor falta de carne”, confessou tranquilamente Kumine, muito bem disposta enquanto preparava a comida. Quando volto para casa nas folgas e as pessoas querem dar-me carne simplesmente não consigo comer, porque o meu estômago dói só de pensar nisso. E digo às pessoas: não me dêem carne, sou vegana!
Damien Mander, que era o idiota que acelerava o carro para tentar acertar pássaros na estrada, como o próprio se define, tornou-se vegano e encoraja os que seguem o seu trabalho a abraçar este princípio de justiça para todos os animais não-humanos. As mulheres guerreiras adoptaram a ideia com gosto.

Numa reportagem para a BBC as mulheres mostraram um pouco a sua rotina, que vai desde emboscadas a detenções. Numa noite, aclarada pela ténue luz da câmara de filmagem, quatro caçadores locais foram detidos. Um deles era procurado por envenenar elefantes com cianureto. Esses quatro homens conhecem algumas das mulheres que os estão a prender, visto serem da mesma comunidade ou de comunidades vizinhas.

É muito difícil capturar um caçador que vive no mesmo vilarejo que o teu, mas, mesmo que sejas o meu vizinho ou o meu parente, se fizeres mal aos meus animais é certo que te vou apanhar, frisou Vimbai Kumire.

A maioria dos caçadores furtivos são motivados por problemas financeiros. Muitos testemunhos, inclusive registados em vários documentários, são de homens que, sufocados pela vergonha e desfigurados pelas lágrimas, admitem odiar aquilo que fazem com os animais mas que encontraram no dinheiro desonesto a solução mais eficaz para colocarem comida na mesma. A fome dos filhos influencia-os a aceitar este negócio sujo, revelador do oportunismo da classe privilegiada que se aproveita dos mais vulneráveis para satisfazer as suas vontades egotistas.

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Referências utilizadas:

The Observer  Africa’s new elite force: women gunning for poachers and fighting for a better life
BBC Brasil  A unidade de elite formada por mulheres que combate caçadores de animais no Zimbábue
Vista-se  Conheça o guerreiro vegano que fundou um exército para proteger animais no Zimbábue